Embora muitos países africanos tenham feito campanhas memoráveis na Copa do Mundo, o topo mais alto do futebol segue sem ser conquistado pelo continente.
A Argélia foi vítima do "Jogo da Vergonha" entre Alemanha Ocidental e Austria. Marrocos e Senegal foram eliminados já na prorrogação. Camarões tem motivos para odiar Gary Lineker e seus pênaltis. E Gana sofreu com a vilania de Luis Suárez.
Mas os fracassos são elementos fundamentais e necessários para o sucesso.
A participação de países africanos na Copa do Mundo nem sempre foi marcante. Porém, desde que as cinco vagas para o continente foram estabelecidas a partir da Copa de 1998, não houve uma melhora tão significativa.
Apenas na Copa de 2014 mais de um país da África se classificou para o mata-mata do mundial. Nigéria e Argélia, porém, não passaram das oitavas de final, perdendo para França e Alemanha, respectivamente.
É difícil mensurar todos os insucessos tendo em vista o potencial do continente. E embora todos os indicativos apontem para o lado contrário, a realidade é que o desempenho dos africanos está piorando.
Calvin Onwuka, ex-treinador da Nigéria, que chegou a vencer as Olimpíadas em 1996, disse à 'Goal' que um dos fatores principais do futebol africano pode ser perdido com tantos jogadores atuando na Europa. "O futebol europeu está maior do que nunca foi, e a visibilidade da Liga dos Campeões acabou com o elemento surpresa que os times africanos usavam na Copa do Mundo".
"Todos os nossos jogadores estão na Europa e nossos times tentam copiar a melhor prática de futebol emulando o que eles vêem na televisão", completou Onwuka.
É uma ideia interessante: a inocência percebida do continente foi ridicularizada quando o Zaire fez uma campanha desastrosa em 1974, mas pelo menos apresentou ao mundo algo diferente. Agora, parece que o pêndulo girou demais na direção oposta, e a África adotou a ortodoxia com muito entusiasmo.
Diversas regiões e países que antes apresentavam um estilo diferente, hoje estão emoldurados pelos padrões europeus. Até mesmo o Brasil, maior vencedor da história das Copas, não escapou deste cenário. Como foi visto depois da derrota da seleção em 1982, respondida com um futebol sem muita beleza, mas eficaz, na campanha do tetra em 1994.
Um fator inegável na globalização é a migração, que fortalece cada vez mais as economias ocidentais. Para sobreviver, as famílias africanas seguiram o caminho Europa, e os jogadores de futebol não fizeram diferente. Corrupção desenfreada, pobreza, má administração e ausência de previsão no que diz respeito ao desenvolvimento do futebol no continente tornam tudo isso ainda mais imperativo.
O futebol europeu é capaz de produzir excelência técnica e tática por meio de um sistema de academia organizado, mas muitas vezes preferem importar o que não pode produzir naturalmente. Isso fica claro quando os clubes vão explorar em lugares como a América do Sul e a África.
"O artilheiros são sulamericanos hoje em dia. A Europa não consegue mais produzir grandes artilheiros", disse Arsene Wenger em 2015.
Da África, ao que parece, o que é valorizado, acima de tudo, são os meio-campistas musculosos com "pulmão de ferro". Para atender a essa demanda e aumentar as chances de sucesso na Europa, um número crescente de jovens jogadores africanos é empurrado para esse molde.
É notório a falta de jogadores que cresceram em seus países e hoje defendem a respectiva seleção. Danny Jordaan, presidente da Associação de Futebol da África do Sul, relembrou o exemplo de Marrocos na última Copa do Mundo, em 2018.
"O Marrocos tinha quatro jogadores espanhóis que exercem suas atividades na Espanha, quatro de herança holandesa e cinco que nasceram na França. Isso significa que três quartos da equipe eram compostos de jogadores que não nasceram e foram criados no país. Não tenho certeza se isso é uma coisa sábia a se fazer", disse Jordaan.
Talvez não seja a coisa mais sábia mas ela é inevitável. O foco é mais obter lucro sob o disfarce do alívio da pobreza do que em fazer a África competir globalmente. Então todo o otimismo que se cria com os supertalentos africanos nos clubes se torna um negativismo quando se fala em torneios de seleções.
"As chances da África vencer uma Copa do Mundo foi em 1990 com Camarões", completa Onwuka. "Agora esta chance não existe mais".