Como a Bundesliga ficou fácil para o Bayern e por que esta hegemonia é ruim?
“Eu acredito o Bayern trocaria dois ou três títulos nacionais por uma Champions. O Campeonato Alemão, a gente diz que é um trabalho de casa”.
“Eu acredito o Bayern trocaria dois ou três títulos nacionais por uma Champions. O Campeonato Alemão, a gente diz que é um trabalho de casa”.
“Sem dúvida, esta supremacia toda do Bayern não é boa para a Bundesliga”. A declaração de Élber, em entrevista para a Goal Brasil, ganha um peso maior por vir de um dos grandes ídolos da história do próprio Bayern de Munique.
O gigante Bávaro lidera a atual edição do Campeonato Alemão - que retorna neste sábado (16) após a paralização pela pandemia do novo coronavírus – e o início de campanha não foi dos melhores. Foi justamente quando precisava correr atrás da liderança, que a torcida do Bayern voltou a sentir uma emoção especial com a disputa, como se estivesse com saudades de sofrer um pouquinho.
“Quando a gente estava correndo atrás dos líderes a torcida era mais fervorosa, e depois o Bayern passou na frente e ela já se acalmou, porque pensam ‘ah, o Bayern vai ganhar (a Bundesliga)’”, completa o ex-atacante brasileiro.
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Na história do Campeonato Alemão, o time vermelho de Munique soma 29 troféus. São 20 de vantagem em relação ao Nuremberg, o segundo maior campeão do país. Se ao final da temporada voltar a ficar com Salva de Prata, os Bávaros serão campeões da Bundesliga pelo oitavo ano consecutivo.
Por que o Bayern é tão hegemônico na Alemanha? As explicações são tantas, que podem render um livro. Aqui, você encontrará algumas delas resumidas. Mas podemos dizer que tudo começou, de verdade, graças a um golpe de sorte do destino.
Antes de Franz Beckenbauer, o Bayern tinha apenas dois títulos de expressão (o Campeonato Alemão de 1931 e a Copa da Alemanha de 1957), e foi sob a liderança do Kaiser dentro de campo, e décadas depois como treinador e dirigente, que os vermelhos da Baviera se colocaram como titã maior do futebol teutônico.
É possível imaginar que as coisas poderiam ter sido diferentes. Afinal de contas, Franz era torcedor do Munique 1860, o time azul da cidade, quando criança. Ainda adolescente, planejava se alistar nas categorias de base do time de coração, mas um golpe do destino lhe fez mudar de ideia.
Golpe do destino, também, mas a revolta de Beckenbauer com a violência do time sub-14 do 1860 em jogo contra a sua equipe, o SC Munique 1906, foi materializada num golpe que sofreu em seu próprio rosto ao tentar se livrar da marcação. Após o apito final, decretou, em estado de fúria, para os companheiros: “Vocês todos podem ir para o 1860. Eu vou para o Bayern”.
Quando estreou no time profissional do Bayern, em 1964-65, Beckenbauer e outros jovens, como Gerd Müller e Sepp Maier, ajudaram o lado vermelho de Munique a sair da segunda para a primeira divisão. Naquela época o 1860, campeão da Copa da Alemanha na mesma temporada, e que levantaria em 65-66 seu último título do campeonato regular, ainda era a grande potência da região – hoje, luta para sobreviver na terceira divisão.
Só que o peso de um jogador atemporal, como foi Beckenbauer, aliado a craques como Müller, Maier e outros, fez com que o Bayern rapidamente fosse ascendendo na pirâmide do futebol. Na década de 1970, enquanto disputava a hegemonia nacional com o Borussia Mönchengladbach, na Europa poucos conseguiam bater de frente: reinou supremo na Copa dos Campeões (atual Champions League) por três temporadas seguidas, entre 1973 e 1976.
Heróis do Bayern também se transformaram, em conjunto com um bom número de valores do Gladbach, em campeões da Euro e da Copa do Mundo naquela década de 70 – aumentando a aura mítica daqueles craques.
Mas o Bayern só começou a esboçar a sua grande hegemonia no futebol alemão da metade da década de 80 até os dias atuais. Para isso, contou com uma parceria histórica da Adidas – hoje dona de pouco mais de 8% do clube – trocando passes com boas gestões e grandes contratações.
A forma como o Bayern contrata seus jogadores também explica o caminho até a hegemonia atual: se algum nome tem destaque vestindo a camisa de um outro oponente alemão, o gigante de Munique terá grandes chances de contratá-lo. Reforço em dobro, uma vez que também enfraquece o adversário.
São inúmeros exemplos: a saída de Lothar Mattheus do Gladbach foi praticamente o ponto final daquele clube como potência esportiva. Em 2013, antes da final alemã de Champions League contra o Dortmund, o Bayern contratou Mario Gotze e, no ano seguinte, ainda tiraria Robert Lewandowski do único time que sobrou fazendo resistência aos Bávaros – desde o bicampeonato do Borussia Dortmund, entre 2010 e 2012, a Bundesliga foi apenas do Bayern. O próprio Élber, que foi campeão da Copa da Alemanha pelo Stuttgart antes de ser contratado, é um exemplo.
Considerando o período entre 2000 e 2019, a Bundesliga é o campeonato esportivo, incluindo outros esportes, mais desigual quando se avalia a rotação de equipes campeãs. A medição foi feita em estudo divulgado no blog do jornalista Rodrigo Capelo, no Globoesporte.com.
E por que isso é ruim? A própria resposta de Élber, relatando o comportamento da torcida do Bayern, já começa a responder. Com um campeão cada vez mais óbvio, a disputa perde o interesse de chamar atenção de alguns fãs de esporte.
“Eu acredito o Bayern de Munique trocaria dois ou três títulos nacionais (que conquistaram recentemente) por uma Champions. Porque a Champions é diferente. O Campeonato Alemão, a gente diz que é um trabalho de casa”, relata Élber, que se justifica dizendo que sempre torce para o Bayern... embora queira títulos conquistados com um grau maior de emoção.
Uma hegemonia começa a ser ruim quando um título deixa de ser comemorado com felicidade para ser tratado como mera obrigação. Vejamos só o contraste que vem da Inglaterra, cuja Premier League é tida como o campeonato nacional mais equilibrado da Europa. O Liverpool, também um gigante, tem como troféu mais sonhado do momento o Campeonato Inglês, que não é seu desde 1990.
A Bundesliga terá seu reinício com o Bayern tendo quatro pontos de vantagem sobre o Borussia Dortmund, segundo colocado. E ainda que, no final das contas, levante pela oitava vez consecutiva a Salva de Prata, o torcedor da equipe bávara com certeza irá comemorar mais se a conquista vier com um maior grau de dificuldade do que acompanhamos nos últimos anos.