Entre o título de 1981 e a chegada de Jorge Jesus, em 2019, o Flamengo colecionou uma longa lista de traumas na Libertadores da América. O português, contudo, entrou na história ao conseguir recolocar o Rubro-Negro no topo do continente. Agora no Benfica, para onde retornou durante o auge da pandemia do novo coronavírus no Brasil, JJ chegou com o pensamento de fazer o mesmo. Entretanto, na Europa o sonho promete ser bem mais difícil de virar realidade: pela diferença no poderio financeiro do futebol português em relação aos outros principais centros, mas também por uma maldição histórica que Jesus conheceu muito bem.
O Benfica se colocou como um dos grandes clubes do futebol mundial na década de 1960, quando contava com um time recheado de craques – como Coluna, José Águas e, claro, Eusébio. Aquela equipe, que bateu respectivamente Barcelona e Real Madrid nas finais da Copa dos Campeões da Europa (a atual Champions League) em 1961 e 1962, era treinada pelo húngaro Béla Guttmann. E foi justamente o técnico que levou as águias de Lisboa ao seu mais alto voo quem acabou amaldiçoando a sorte benfiquista na Europa.
Figura importante até na história do futebol brasileiro, ao sedimentar no São Paulo as bases que inspirariam Vicente Feola a montar o desenho tático da seleção brasileira bicampeã mundial, Guttmann era tão obcecado pelo jogo quanto tinha confiança em seu trabalho. Quando chegou ao Benfica, para a temporada 1960-61, insistiu para que em seu contrato constasse um bônus de 200 contos caso conseguisse levar os lisboetas ao título europeu. A resposta dos dirigentes mostrava o quanto aquela era uma ambição aparentemente inalcançável: “Ó homem, ponha até mais 100...”, disse aos risos um dos cartolas.
Pois os Encarnados ganharam em 1961 e depois de repetirem a dose, em 1962, Guttmann quis uma grande valorização salarial. Não conseguiu, sentiu-se desvalorizado e deixou o Estádio da Luz com a seguinte frase: “O Benfica, sem mim, jamais ganhará uma taça europeia”. Nascia assim a “Maldição de Bela Guttmann”, que persiste até os dias atuais e que foi, também, um pesadelo para Jorge Jesus em sua primeira passagem pelo clube, entre 2009 e 2015.
Guttmann até chegou a se arrepender das palavras, inclusive enviando um telegrama de apoio ao Benfica antes da final de 1963 contra o Milan, mas o estrago cósmico gerado por suas palavras já havia sido feito. Os portugueses perderam aquela final e outras quatro, totalizando cinco vice-campeonatos na Copa dos Campeões da Europa – apenas a Juventus perdeu mais vezes. Além disso, sofreram três revezes nas decisões de Europa League. Ou seja: em dez finais continentais, apenas nas duas vezes em que o húngaro esteve no banco o Benfica triunfou.
Jorge Jesus era o treinador do Benfica nas duas últimas derrotas, em 2013 e 2014, na Europa League, quando esteve a detalhes de acabar com a maldição. Mas as palavras de Guttmann voltaram a ecoar como decepção na derrota sofrida nos últimos minutos contra o Chelsea, e depois na disputa de pênaltis contra o Sevilla. Nem mesmo uma estátua de dois metros feita em homenagem a Guttmann, naquele 2014, conseguiu tirar a zica continental benfiquista.
Mas a esperança é que um Jorge Jesus ainda mais confiante após sua passagem pelo Flamengo consiga, nesta sua segunda estadia no Estádio da Luz, acabar com a maldição de Guttmann. Afinal de contas, foi com a promessa de recolocar o Benfica entre os times que lutam por títulos europeus que o presidente do clube, Luís Filipe Vieira, conseguiu convencer JJ a retornar. Nesta terça-feira (15), começa a primeira tentativa: o novo Benfica de Jesus enfrenta o PAOK, da Grécia, na terceira fase eliminatória para a Champions League em duelo único.
“A ambição não é ser só campeão nacional, é ir o mais longe possível na Europa”, disse Jorge Jesus em entrevista coletiva prévia ao duelo contra os gregos. O sonho? Acabar com a Maldição de Bela Guttmann.
“Esta ambição ninguém me pode tirar”, completou JJ ao falar sobre o sonho de conquistas europeias.