O formato de pontos corridos, de tempos em tempos, prega suas peças e embaralha os sentimentos de torcedores e secadores, criando situações que podem jamais ser esquecidas. E o domingo pode confirmar uma dessas. Não é que Palmeiras x Grêmio, logo esse jogo, pode confirmar o título brasileiro ao Flamengo?
Então imagine que um dia, num possível livro ou num documentário especial sobre o incrível 2019 do Flamengo, a atenção em algum momento haverá de passar por um jogo no Allianz Parque entre verdes e tricolores, com o time e a torcida rubro-negra ainda virados da grande noite de suas vidas, campeões da Libertadores tão aguardada ou frustrados pela perda do título continental.
Logo Palmeiras e Grêmio, que ironia.
De um lado, o frustrado time paulista que empatou os dois últimos jogos perdendo grandes chances de vencer, consolidando a distância do Flamengo na tabela, um ano depois dele próprio rir do "cheirinho" e em mais uma temporada em que rivalizaram não só nos pontos semana após semana, mas também na comparação dos elencos, da grandeza, do momento em que vivem os clubes. Na narrativa do futebol brasileiro, pensando em estrutura, pretensão e capacidade de brigar em todos os campeonatos, são os grandes adversários do momento.
Do outro, o desapontado quadro gaúcho que tomou cinco do Flamengo na Libertadores e depois perdeu de novo no Brasileiro. Agora precisa se contentar com a história da vaga direta à Libertadores, essa coisa de manter o foco para chegar entre os quatro primeiros, e de quebra podendo ser, pragmática e matematicamente falando, autor do gol do título flamenguista no domingo. Imagine só, Renato Gaúcho vence o Palmeiras em São Paulo e precisa falar de... Flamengo?
Que situação. Se der empate ou vitória do Grêmio, todos no estádio palmeirense terão de repercutir não só o próprio fim de ano, meio melancólico, mas também a confirmação da conquista rubro-negra. Se der Palmeiras, o troféu dorme mais algumas noites sem dono por puro capricho dos fatos, porque ninguém deve mais apostar que o Flamengo tomaria uma volta de 10 pontos em 12 restantes.
Agora, no meio do caminho tem o River Plate e a mais sonhada copa de todas.
Se o Flamengo for campeão da Libertadores sábado, pouco importa o que acontecer em São Paulo no domingo. Os churrascos não terão hora para acabar de toda forma, e até uma goleada histórica do Palmeiras viraria nota de rodapé diante do fim de ano flamenguista. Quem irá se lembrar, ou qual seria a importância, de que o Palmeiras adiou o título? Confirmar em campo ou fora dele será mero exercício de calculadora. As duas taças estarão postas no final de semana mais rubro-negro da história. E o Maracanã estará uma festa só na quarta-feira, contra o Ceará.
Se der River, o sábado será de tristeza pelo resultado, óbvio, mas a megalomania flamenguista parece difícil de ser abalada. A euforia está em nível máximo. De toda forma, em caso de confirmação do título brasileiro no jogo alheio, seria uma jornada curiosa, em que o torcedor teria de celebrar o importante nacional longe do estádio junto do lamento da perda continental. Um anticlímax?
Para os mais abalados com a derrota, talvez, mas não sei se tanto. O Flamengo estaria de férias segunda-feira, e o resto de Brasileiro serviria apenas para curtir a grande temporada. Faz parte dos pontos corridos, quando o troféu do líder soberano vem num conta-gotas.
E aí, se você é daqueles que acredita que nada tira a emoção dum título no campo, o Flamengo pode celebrar dois na sequência, sábado e quarta, em Lima e no Rio de Janeiro. Ou nenhum, perdendo no Peru e batendo campeão de rabo de olho no jogo de São Paulo. Acho que para o torcedor rubro-negro, a essa altura, pouco importa. Um dos títulos já é certo. O outro está por 90 minutos. Mas ser flamenguista neste fim de 2019 já é a grande história recente do nosso futebol.
Por isso, respondendo à pergunta do título, acho que o Palmeiras x Grêmio não muda nada na vida do rubro-negro. Altera talvez a cobertura da imprensa, o humor do jornaleiro para vender o pôster, a forma com que esses dias serão lembrados lá na frente, a empolgação para eventualmente desfilar com a faixa sem ter vencido um jogo sequer no final de semana.
Claro, óbvio ululante que tudo ficará maior ganhando a Libertadores. Mas me parece que quem veste Flamengo já está em transe há algumas semanas e vai nesse embalo até o ano terminar, seja domingo, seja depois de encontrar o Liverpool lá perto do Natal. E o Brasileiro da campanha histórica já está na memória, muito bem e longamente desfrutado. Sobram os detalhes que estarão um dia nos livros e filmes.