Apesar de ter classificado o jogo entre Brasil e Argentina, que se encontram nesta terça-feira (02) pela semifinal da Copa América 2019, como o maior clássico entre seleções, Gabriel Jesus tem bons amigos do outro lado. Otamendi e Sergio Aguero são titulares na Albiceleste, mas companheiros no Manchester City. Possuem boa relação com o atacante brasileiro.
“Antes de eu virar profissional, via ele jogar na Premier League, fazendo gols e sendo artilheiro. Ter um companheiro deste nível brigando por posição me fez aprender muito, e sigo aprendendo. É um cara gente boa, mas será ele defendendo o dele e eu o meu. Não fiz aposta, mas espero poder zoar muito ele e o Otamendi quando eu voltar”, disse o camisa 9 durante entrevista coletiva neste domingo (30).
O cenário acima exemplifica um pouco como era um Brasil vs Argentina nos primórdios do futebol. A relação entre os países costumava ser leve nos anos em que a arte de chutar uma bola já começava a ganhar força. Na Argentina, o Esporte Bretão chegou primeiro (1867) do que no Brasil (1895). Mas como a nossa seleção foi criada apenas em 1914, foi nesse exato ano que aconteceu o primeiro embate entre ‘brasucas e hermanos’.
O livro “Brasil x Argentina: Histórias do Maior Clássico do Futebol Mundial”, escrito pelo jornalista Newton César de Oliveira Santos, relata em detalhes minuciosos a construção deste grande confronto. Em contato com a Goal Brasil , Newton falou um pouco sobre como partidas marcadas pela cordialidade se transformaram em verdadeiras guerras campais, marcadas por confusões e, claro, muita habilidade nos gramados.
“Em termos políticos e culturais, do final do Século XIX até o início do Século XX, o relacionamento entre os países era bem cordial. A Argentina estava bem melhor do que o Brasil, ela estava independente antes, tinha uma economia melhor”, explica o autor da publicação. “Argentinos e uruguaios já se enfrentavam em seleções desde 1902 e só não enfrentavam o Brasil porque a seleção brasileira, pra valer, só foi formada mesmo em 1914. Os confrontos anteriores foram em combinados de times do Rio de Janeiro, São Paulo... Então, Julio Roca, general que havia sido presidente da Argentina, convidou a seleção brasileira da época para jogar lá, e ofereceu uma taça, que passou a ser conhecida como Copa Roca, justamente como um sinal de união dos povos”.
Primeiro jogo: Brasil ganhou quando mais importou
A disputa da primeira Copa Roca foi marcada para o dia 20 de setembro de 1914. Só que um violento temporal atrapalhou os planos, pois atrasou a chegada da seleção brasileira – que teve que fazer escala em Montevidéu. Para não jogar fora toda a expectativa criada, o primeiro embate foi um amistoso realizado naquela tarde de setembro, em Buenos Aires.
Com dois gols de Carlos Izaguirre e um de Aquiles Molfino, o time que já vestia as tradicionais camisas em azul e branco venceu o Brasil por 3 a 0. Apesar do placar, a equipe brasileira foi bastante elogiada, assim como o goleiro Marcos Carneiro de Mendonça. Sete dias depois, com direito a realização de um jogo amistoso contra o Columbian, o reencontro valeria taça: a primeira decisão envolvendo os rivais!
No mesmo campo do Gimnasia y Esgrima, no bairro de Palermo, o Brasil começou o jogo do dia 27 trocando bem os passes para os mais de 17 mil espectadores – entre eles políticos e cartolas da mais alta importância. O primeiro e único gol aconteceu aos 13’ do primeiro tempo, quando Rubens Salles acertou um chute à meia altura no canto do goleiro Rithner. Com a vantagem, os brasileiros levaram perigo em bons contra-ataques, mas também sofreram pressão dos argentinos antes do apito final. Finalizado o encontro, nada de reclamações: cordialidade pura na vitória da seleção, que ficou com a taça da primeira Copa Roca!
Quando a rivalidade esquenta?
Perante o cenário apresentado acima, é impossível não se perguntar: mas então, como iniciou toda essa rivalidade que nos foi passada ao longo de gerações? “Na minha análise, a rivalidade fica muito pesada entre o final da década de 1940 até o final da década de 1990”, explica Newton. A conjuntura da época formou o pano de fundo para um jogo histórico que aconteceu em 1946, pelo Sul-Americano de Seleções - a atual Copa América.
“Aquele campeonato sul-americano aconteceu em 1946, mas tem um contexto: final de segunda guerra, concentração das coisas aqui na América do Sul”, explicou o autor do livro. “Politicamente, a gente já estava em lados opostos. O Brasil já tinha uma base americana no Nordeste (...) Na Argentina, as coisas ficaram mais divididas, com o país pendendo mais para o nazismo. Tanto é que um monte de nazistas fugiu para a Argentina. No pós-guerra, a Europa estava precisando de mantimentos e Brasil e Argentina eram concorrentes em matéria prima, mercados. Foram vários fatores”.
Embora o Campeonato Sul-Americano (atual Copa América) de 1946 fosse disputado em pontos corridos, a última rodada reservou, coincidentemente, uma final entre Brasil e Argentina. A Albiceleste venceu por 2 a 0, mas no final do apito houve muita confusão em campo. E o resultado de tudo isso, foi nítido fora dos gramados.
“Houve um estremecimento muito grande entre os dois países e as federações de futebol. Tanto é que havia viagens, excursões, de times argentinos para o Brasil nos anos seguintes, e essas viagens foram suspensas”, explica Newton. Poucos anos depois, a Copa do Mundo seria realizada em território brasileiro. Mas como os argentinos acreditavam que a sede deveria ser lá, resolveram boicotar o torneio.
Dentro de campo, os resultados desportivos também iam aumentando a importância da disputa. Enquanto a Argentina colecionava títulos na América do Sul, o Brasil viveu a sua Era de Ouro no futebol, com os títulos mundiais de 1958, 1962 e 1970. A Copa de 1978, e a eliminação tupiniquim após a polêmica goleada da Albiceleste sobre o Peru também acirrou os ânimos.
Aguero e Gabriel Jesus em ação, juntos, pelo City
Com o início do maior número de transferência dos melhores jogadores de ambos os países para o futebol, a partir de 1990, Newton acredita que essa rivalidade diminuiu bastante, embora os jogos ainda apresentem um largo cardápio de cartões e reclamações: “Deu uma murchada porque os principais jogadores de ambos os países começaram a jogar na Europa, e muitos deles viraram amigos nos mesmos times. Então a rivalidade ficou muito mais com torcedores e imprensa do que com jogadores”.
Independentemente, a rivalidade ainda existe. E a pressão de ambos os lados está sempre presente, segundo o próprio Gabriel Jesus destacou.
"Para mim é o maior clássico. Trata-se de duas seleções gigantes, de dois países com um histórico muito bom. Óbvio que, em se tratando do momento e por jogar em casa, o Brasil tem mais pressão para ganhar sim, mas é um clássico e a Argentina também tem".