Durante o sorteio do mando de campo da final da Copa do Brasil nesta quinta-feira (14), a pergunta para o técnico do Palmeiras, Abel Ferreira, era uma só: como administrar, física e mentalmente, a disputa de três competições simultâneas - Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil e Copa Libertadores - e jogos decisivos em série?
Há quase 22 anos, no meio de 1999, o dilema era parecido. O Palmeiras reclamava do calendário do futebol e temia uma sequência de lesões para os jogadores na disputa, então, do Campeonato Paulista no trio de compromissos ao invés da Série A – então jogada a partir do segundo semestre do ano.
"A cada jogo eu tenho medo que estoure uma lesão em alguém", disse o preparador físico Paulo Paixão na véspera de Palmeiras x Botafogo, numa quinta-feira de maio daquele ano. Dois dias antes, na terça, o time havia superado o River Plate, também em São Paulo, garantindo vaga na final continental. O técnico Luiz Felipe Scolari repetiu cinco titulares, que foram a campo só 48 horas depois.
O clube reclamou. Felipão chegou a falar que a CBF estava "ferrando" o Palmeiras. O elenco lembrava que na temporada anterior algumas datas de jogos locais haviam sido alteradas para não prejudicar a sequência do Vasco, que acabou campeão da Libertadores.
Apesar da dificuldade, a comissão técnica se apegava à capacidade de rodar o elenco. O Palmeiras chegava a 44 partidas no ano e nenhum jogador tinha chegado a atuar em mais de 80% dos compromissos. Ainda que fosse muito, se mostrava acertada a decisão lá no início da temporada quando muitos foram poupados de duelos do Rio-São Paulo e o início do Paulistão. Eram 36 nomes utilizados até ali, muito acima de qualquer um dos principais rivais.
Mas a indignação sobre o ritmo de jogos já vinha de antes. Nas semanas anteriores, havia acontecido o mesmo. O Palmeiras eliminou o Corinthians nas quartas de final da Libertadores numa quarta, e abriu a mesma etapa da Copa do Brasil visitando o Flamengo na sexta. Nove titulares jogaram ambas as partidas, e a dupla Junior e Oséas ainda fez a trinca no domingo, pelo Paulistão, contra a Inter de Limeira.
Depois, o Palmeiras visitou o River em Buenos Aires na terça e eliminou o Flamengo em São Paulo na quinta. Naquela vez, sete palmeirenses saíram jogando em ambas as partidas.
No jogo diante do Botafogo, que rendeu as maiores reclamações do elenco, Scolari poupou alguns titulares. Havia um encontro com a Portuguesa dois dias depois, no sábado, e a comissão decidiu por time principal em busca de uma vaga nas semifinais do Estadual. Deu certo.
Mas faltavam só dois dias para começar a final da Libertadores, contra o Deportivo Cali, na Colômbia. Ali, Marcos, Roque Junior e Oséas chegavam ao quarto jogo como titulares em oito dias: terça, quinta, sábado e terça. E o elenco estava no limite.
"Meu time está morto. Não tem mais perna", afirmou Felipão na volta do duelo contra os colombianos. O comandante disse que não podia mais cobrar seus atletas, e lamentava que, apesar de querer ganhar o Paulista que seria inédito em sua carreira, pouparia sete titulares das semifinais contra o Santos.
Com o time alternativo, no sábado, o Palmeiras perdeu o jogo de ida para o rival. Mas na terça, novamente no Morumbi e mais uma vez mesclando titulares e reservas, devolveu a vitória e eliminou o clube praiano, mesmo que ficasse claro que a taça regional era a última das prioridades.
Voltando à maratona. Na sexta, Scolari foi com o time completo para a volta das semifinais da Copa do Brasil, contra o Botafogo, e o Palmeiras acabou caindo nos pênaltis. E no domingo, a escalação mais controversa, na final do Estadual.
Das três competições, sobraram duas, e o Palmeiras havia perdido o primeiro jogo da final da Libertadores. Agora, reencontrava o Corinthians no primeiro jogo decisivo do Paulista. Mesmo assim, não houve meio-termo. O time foi inteiramente reserva para o Derby e tomou 3 a 0.
Pior: por anunciar que escalaria um time sem os principais jogadores, o técnico palmeirense foi multado pela Federação Paulista de Futebol em R$50 mil. Enquanto isso, Junior Baiano, Arce, Júnior, César Sampaio, Rogério, Zinho e Oséas seguiam concentrados e treinavam em pleno dia de final.
A história termina com um troféu e uma confusão. Em 16 de junho, o Palmeiras conquistou a Libertadores em casa, devolvendo a vitória sobre o Deportivo Cali e vencendo nos pênaltis com o que tinha de melhor para escalar, claro. E no dia 20 manteve os titulares, empatou com o Corinthians e perdeu o Paulistão no famoso jogo das embaixadinhas de Edílson seguida por uma briga generalizada.
Sobre o desgaste, alguns nomes sofreram bastante com a sequência. César Sampaio fez tratamento intensivo para conseguir estar em condições de jogar e levantar a Copa Libertadores, e o zagueiro Cléber também teve uma temporada com problemas físicos. Rivarola é outro que sofreu lesão muscular, além do goleiro Velloso, que acabou abrindo espaço para Marcos.
A maratona do Palmeiras entre maio e junho de 1999 teve 20 jogos em 50 dias. Como efeito de comparação, o time atual, de 2020/21, pode disputar 19 partidas em 60 dias – 12 jogos de Brasileirão, três jogos de Libertadores, as duas finais da Copa do Brasil e, eventualmente, dois jogos do Mundial de Clubes, marcado para a primeira quinzena de fevereiro.
A sequência do Palmeiras em 1999:
- 2 de maio - Paulistão - time reserva
- 5 de maio - Libertadores - time principal
- 7 de maio - Paulistão - time principal
- 9 de maio - Paulistão - maioria reserva
- 12 de maio - Libertadores - time principal
- 14 de maio - Copa do Brasil - time principal
- 16 de maio - Paulistão - poucos titulares
- 19 de maio - Libertadores - time principal
- 21 de maio - Copa do Brasil - time principal
- 23 de maio - Paulistão - poucos titulares
- 26 de maio - Libertadores - time principal
- 28 de maio - Copa do Brasil - alguns poupados
- 30 de maio - Paulistão - time principal
- 2 de junho - Libertadores (final) - time principal
- 5 de junho - Paulistão - maioria reserva
- 8 de junho - Paulistão - maioria reserva
- 11 de junho - Copa do Brasil - time principal
- 13 de junho - Paulistão (final) - time reserva
- 16 de junho - Libertadores (final) - time principal
- 20 de junho - Paulistão (final) - time principal