A Espanha tem sido um dos países mais afetados pela pandemia da Covid-19. Mais de 10 mil mortes confirmadas até o momento, desespero por parte da população, ruas praticamente desertas e, como em quase todos os países, interrupção do futebol. Uma pausa forçada num início de trajetória que estava sendo especial para Felipe.
Contratado pelo Atlético de Madrid em junho do ano passado, por 20 milhões de euros, o ex-zagueiro de Corinthians e Porto chegou discretamente, ao ponto de ser visto como "apenas mais um" por alguns companheiros de time, entre eles o volante ganês Thomas Partey.
De "boca fechada", termo que faz questão de destacar frequentemente, o defensor de 30 anos ganhou rapidamente a confiança de Diego Simeone. É hoje o titular absoluto da defesa colchonera. Mas não é apenas dentro de campo que o brasileiro tem tido papel preponderante. Num momento de crise mundial, manteve os pés no chão e não deixou de olhar pelo próximo.
O surto do coronavírus chegou num momento que estava sendo muito especial para você (titular absoluto no Atlético de Madrid e convocado novamente à seleção brasileira). Como tem lidado essa mudança repentina de cenário?
É complicado, uma mudança muito radical, tudo isso logo depois da nossa classificação em cima do Liverpool [na Liga dos Campeões]. Tivemos que ficar em casa e passamos então a tomar todos os cuidados. É um período chato, mas estamos à espera da normalização. Eu vinha num momento bom, fazemos ótimos jogos, numa crescente... mas é assim, né? É preciso entender que nem sempre as coisas são como nós queremos. Se pudesse escolher, obviamente, daria sequência para manter o alto nível. Agora é focar para voltar ainda mais forte e continuar com aquilo que estava fazendo. Todos nós precisamos voltar num nível muito alto.
Quanto tempo você acha que o futebol, sobretudo na Espanha, um dos países mais afetados pelo coronavírus, vai precisar para superar toda essa crise? Julga que o futebol no geral nunca mais vai ser o mesmo?
Quanto tempo? Não posso dizer, mas creio que aqui as coisas vão se normalizar daqui 15 ou 20 dias. Superar? Penso muito nas famílias que perderam os seus parentes. Isso é o mais complicado, uma terrível pandemia que pegou todos de surpresa. A superação para elas seguramente vai ser muito mais díficil. Já sobre o futebol, assim que os campeonatos recomeçarem, acredito que a partir da segunda ou terceira rodada, todo mundo, não digo que vai esquecer, mas vai ter superado. Precisamos continuar as nossas vidas.
O que o Felipe, homem e também jogador, está tirando e ainda pode tirar de lição de tudo o que está acontecendo no mundo neste momento? Também acha que você, particularmente, não vai ser mais o mesmo a partir de agora?
Sinceramente, aprendi muita coisa. Assim que tudo isso começou, as pessoas entraram numa loucura, começaram a comprar de tudo e aos montes, ninguém pensando no próximo, fazendo tudo por si próprio. Isso fez com que faltasse para os necessitados, até mesmo em relação aos remédios, visto que falaram que existia um que curava o novo coronavírus. Isso não foi legal. Vou levar isso tudo como lição, porque ninguém pensa no próximo. Eu fiz a minha parte, comprei e continuo comprando apenas o que é preciso. Eu penso em quem mais precisa, penso em ajudar o próximo. Eu e a minha esposa temos feito o nosso papel. O povo entrou na loucura e esqueceu das pessoas que estão ao lado.
Lá atrás, ainda na pré-temporada, o Simeone disse que você era um exemplo de trabalho para os companheiros. O que ele identificou de especial?
Eu cheguei, e não tinha condições de jogo, então ele [Simeone] tinha uma determinada visão. Não comecei jogando, mas dei continuidade ao meu trabalho, sempre de boca fechada e fazendo como sempre fiz. A hora que surgiu a oportunidade, entrei e fiz o meu melhor. Dali para frente, fui ganhando ainda mais a confiança dele. Ele passou a enxergar-me com outros olhos e fiz boas partidas. Na minha opinião, a minha forma de trabalhar foi determinante, sempre de boca fechada. Eu, já com 30 anos, aguentei ficar no banco de reservas... e sempre de boca fechada. Treinei muito forte, sabendo que em breve teria a minha portunidade. Dei tudo de mim para manter-me no time tutular.
Ainda a exemplo de declarações antigas, o Thomas Partey foi muito sincero e honesto ao dizer que "pensava que você seria apenas mais um" no Atlético de Madrid. Hoje, como você se enxerga dentro do clube?
Sinceramente, foi bacana ter visto ele [Thomas] falando isso. Eu, de boca fechada, fiz o meu trabalho e fui reconhecido por isso. Cheguei, fui conhecendo o grupo e adaptando-me. Eu acho que todo mundo pensava dessa forma, não só ele. De fato, foi uma surpresa para todos. Eu também sou uma pessoa que procura observar bastante e levar o que aprendi para dentro de campo, tenho uma concentração elevada. Não digo que isso faz as coisas serem mais fáceis, mas a concentração ajuda muito e melhora o trabalho. Hoje enxergo-me numa condição muito boa, tenho feito ótimos jogos. Mas não posso parar, preciso continuar focado e tentando melhorar cada dia mais. Quero sempre jogar no nível bem alto.