Quando podemos dizer que um grande time de futebol chegou ao fim? Não é uma análise fácil, uma vez que estamos falando de um esporte de equipe com variadas peças. Talvez seja quando a maioria de seus principais nomes não esteja mais considerada nas listas de seus treinadores. E levando isso em consideração, podemos decretar oficialmente o final da Alemanha espetacular desta última década, que esteve no topo do mundo em 2014, conseguindo no caminho a maior vitória na história moderna do jogo.
Na última terça-feira (05), o técnico Joachim Löw surpreendeu ao anunciar que três nomes importantes do título conquistado sobre a Argentina, no Maracanã, não serão mais convocados. Com o argumento de renovar praticamente por completo a equipe nacional com atletas mais jovens, o treinador descartou os zagueiros Boateng e Hummels, além do meia-atacante Thomas Müller. Uma decisão que gerou polêmicas e discordâncias vindas especialmente do Bayern de Munique e seus três atletas, mas apoiada firmemente pela federação alemã.
Desta forma, apenas um dos titulares da Alemanha nos 7 a 1 aplicados sobre o Brasil na semifinal realizada no Mineirão segue com espaço regular entre os jogadores de linha: Toni Kroos, autor de dois gols naquele que é o resultado mais expressivo das últimas décadas. Além disso, o meio-campista do Real Madrid também deu a assistência para Thomas Müller abrir a contagem no vexame brasileiro. Miroslav Klose, maior artilheiro de todas as Copas e autor do segundo tento, anunciou sua aposentadoria da Nationalmannschaft pouco após a conquista do Tetra. Sami Khedira, o outro titular que deixou sua marca naquele 7 a 1, não voltou a entrar em campo após a surpreendente eliminação na fase de grupos no Mundial de 2018.
Considerando quem disputou um mínimo de cinco jogos na conquista mundial de 2014, Kroos segue como único jogador de linha regularmente na lista de Löw. Os primeiros a se aposentarem da seleção foram o zagueiro Per Mertesacker, o atacante Miroslav Klose e o capitão Philip Lahm. À conquista mundial, seguiu-se uma eliminação em nada vergonhosa na semifinal da Euro 2016 para a França, dona da casa. Dentre os titulares absolutos do time campeão do mundo no Brasil, estavam Howedes, Hummels e Boateng na defesa; Khedira, Özil e Kroos no meio; Thomas Müller e Mario Gomez na frente. Apenas o primeiro listado não esteve na lista de convocados para o fiasco na Copa realizada na Rússia, com eliminação ainda na fase de grupos.
O choque de gerações começava a ficar mais claro. No ano anterior, com um time à época tido como alternativo pelo fato de contar em sua grande maioria pelos valores mais jovens que apareceram desde 2014 até aquele 2017, a Alemanha conquistou a Copa das Confederações. Em 2016, uma equipe com nomes que hoje são figuras cada vez mais presentes na seleção principal (como Brandt, Gnabry, Sule e Ginter) ficou com a medalha de prata nos Jogos Olímpicos do Rio, perdendo para o Brasil no mesmo Maracanã da glória mundial. A decisão mais importante tomada pela federação alemã, entretanto, aconteceu após outro péssimo resultado: o rebaixamento na primeira edição da UEFA Nations League. Pressionado, Joachim Löw recebeu voto de confiança.
É justamente aí aonde o ciclo entre aquela geração de nomes marcantes, como Lahm e Schweinsteiger, chega ao seu final para abrir espaço definitivo para quem aparece com destaque. Mesmo após o vice-campeonato mundial em 2002, com a derrota para o Brasil, a avaliação geral na Alemanha era de que o futebol jogado no país pelos seus atletas estava ultrapassado – muito por causa da péssima campanha na Euro 2000. Todo um trabalho na base entrou em ação e o resultado veio rápido.
Em 2006, a seleção alemã disputou o Mundial dentro de casa com o grupo de jogadores mais jovens desde 1982. A diminuição na média de idade em relação a 1998 (27 anos) e 2002 (26,3) saltou os olhos: 24,8 anos. O cartão de visitas daquela nova geração seria apresentado pelo seu máximo expoente. Na estreia daquela Copa, Philip Lahm demorou seis minutos para chamar atenção mundial. O baixinho de 1,70m tomou a bola pela direita e deixou um costarriquenho no chão antes de acertar um chutaço no ângulo do goleiro Porras.
Provações, expectativa e insucessos
A caminhada em 2006 levaria a equipe que tinha em Jurgen Klinsmann o seu rosto como treinador, e o então auxiliar Joachim Löw como cérebro, até a semifinal antes de cair em uma prorrogação emocionante para a futura campeã Itália. A conquista do terceiro lugar, após vitória sobre Portugal, foi comemorada com entusiasmo pelo povo alemão, que ali parecia perder definitivamente a vergonha de manifestar de forma saudável – e sem traumas do passado – o orgulho com as cores de sua bandeira.
O futuro era visto com grande otimismo naquele momento, mas foi justamente quando a seleção alemã passou pela sua Jornada de Herói particular. Não faltariam tormentas e dúvidas nos anos seguintes, o que acabaria no final das contas apenas por dar um peso maior ao ápice conquistado por aquele grupo de atletas. Já com Joachim Löw alçado à posição principal de comando, a Alemanha chegou à decisão da Euro 2008. Era favorita contra a Espanha, mas sucumbiu com o gol anotado por Fernando Torres. Não seria o único trauma contra os espanhóis. Após goleadas sobre os rivais Inglaterra e Argentina já no mata-mata da Copa do Mundo de 2010, uma cabeçada memorável de Puyol os tirou na semifinal. A conquista da terceira posição, sobre o Uruguai, agora já tinha um sabor amargo.
Quando, na Euro 2012, o alemães voltaram a cair em uma semifinal (desta vez para a Itália), a situação parecia ter ficado insustentável. A federação nacional, entretanto, seguia fiel ao planejamento de anos e não entregou-se às fáceis reações que surgem quando uma grande expectativa é frustrada. Um planejamento que enfim daria certo em 2014. Sem pressão aparente, os teutônicos deram um show de carisma na concentração localizada na Bahia. Em campo, a estreia foi com goleada por 4 a 0 sobre Portugal de Cristiano Ronaldo. O tão sonhado título viria com triunfo nos acréscimos diante da Argentina de Lionel Messi.
Mas outros dois jogos também são importantes para contar a história do Tetra alemão: a vitória suada, nos acréscimos, sobre a Argélia – quando Lahm enfim voltou a ser escalado na lateral – e obviamente os 7 a 1 sobre a Seleção Brasileira. Um resultado gigante, inimaginável e que jamais será esquecido. Poucas equipes foram tão planejadas quanto aquela Alemanha campeã mundial. Um time que merece todas as reverências possíveis: tinha craques em todas as posições, e mesmo assim foi difícil apontar alguém que se destacasse muito mais que os outros.
Por que uma mudança tão grande?
Os péssimos resultados no Mundial de 2018 e UEFA Nations League ligaram o alerta vermelho. De certa forma, o núcleo da Alemanha campeã em 2014 despediu-se mesmo na Euro 2016. Existia a avaliação de que Löw teria demorado para iniciar a transição dos nomes. Como motivar os atletas mais experientes, ainda mais levando em consideração o histórico das seleções campeãs nos mundiais seguintes (desde 1998 apenas o Brasil não foi eliminado na primeira fase)?
Veio também a lembrança do bom trabalho feito por Joachim Löw com atletas mais jovens. Justamente os que foram campeões em 2014. É o que dita o planejamento a partir de 2019: “é hora de definir o caminho para o futuro. Queremos dar uma nova cara à equipe. Estou convencido de que este é o passo certo”, afirmou o treinador ao explicar a decisão de não contar mais com Hummels, Boateng e Müller.
Do elenco campeão mundial, além de Kroos, quem segue titular é o goleiro Manuel Neuer. Entretanto, o camisa 1 vê a sombra de Ter Stegen, em fase espetacular pelo Barcelona, crescer cada vez mais. A competição promete ser dura, inclusive com o mais jovem revelando em entrevista para o DAZN que o seu objetivo é ocupar o lugar de Neuer o mais cedo possível.
Autor do gol que deu o título, Mario Götze jamais conseguiu manter a sua regularidade na equipe nacional. O meia-atacante, tido como alguém que poderia rivalizar até mesmo com Messi pelo trono do futebol, chegou inclusive a ter problemas de saúde e seu último jogo pela Nationalmannschaft aconteceu em 2017. Nomes como Niklas Süle, Antonio Rüdiger e Thilo Kehrer são os favoritos a ocuparem as lacunas defensivas, enquanto no ataque Serge Gnabry, Leroy Sane e Timo Werner são esperanças reais de um futuro promissor.
A escolha de Löw em renovar o seu plantel é bem fundamentada. O que parece injusto é a falta de chance para que nomes imortais do futebol alemão consigam uma despedida de acordo com a história que eles construíram. Özil anunciou aposentadoria após grande polêmica, mas não há dúvidas ao dizer que Boateng, Hummels e Müller deveriam sair pela porta da frente. De qualquer forma, a lembrança de seus feitos com a camisa da Alemanha não se apagará.