Pela primeira vez desde a temporada 2004-05, não veremos Cristiano Ronaldo ou Messi nas quartas de final da Champions League. O português voltou a cair precocemente com a Juventus, tendo jogado mal contra o Porto, e o argentino brilhou com golaço mas decepcionou com pênalti perdido diante do PSG. Uma semana depois seus gigantismos voltaram a aparecer, adicionando novas camadas às suas respectivas carreiras: CR7 ultrapassou Pelé em gols oficiais e Messi igualou Xavi como jogador com mais partidas pelo Barça. As celebrações, entretanto, carregaram um certo “porém” pelas quedas na prova europeia.
Ambos são artilheiros de suas equipes nos campeonatos nacionais e seguem entregando atuações espetaculares, mas tamanha foi a marca que deixaram na última década de futebol que deles se espera, quer você concorde ou não com isso, sempre o prêmio mais alto. A Champions League. E qualquer coisa que não for a taça europeia parece colocar um asterisco em suas temporadas. Quer você concorde ou não com isso.
Exceção feita aos dois jogadores – e a Neymar no PSG – talvez apenas um treinador saiba, hoje, o que é ser refém de seu próprio sucesso na Champions. Estamos falando de Josep Guardiola, cujo Manchester City avançou para as quartas de final do certame depois de eliminar o Borussia Monchengladbach nas oitavas por um placar agregado de 4 a 0 – divididos igualmente nos encontros de ida e volta.
O “hoje” escrito no parágrafo acima é um lembrete de que José Mourinho já foi visto, especialmente em seus anos no Real Madrid, como dono de obrigação semelhante entre os treinadores. Esta sensação, no entanto, foi se esvaindo cada vez mais em seus trabalhos subsequentes. Com Guardiola a história foi diferente. Após deixar o Barcelona, em 2012, chegou ao Bayern de Munique, em 2013, com a expectativa de manter a hegemonia europeia do então atual campeão continental. Na Bavária, colocou seus conceitos e precisou fazer algumas adaptações. O Bayern teve momentos de encanto, mas a hegemonia ficou no âmbito doméstico. Os teutônicos só voltaram a levantar a Champions ainda agora, em 2020.
Quando chegou ao Manchester City, em 2016, Guardiola viu toda uma estrutura construída especialmente para ele triunfar como quisesse. Além de muito dinheiro disponível para contratações. O trabalho tem sido espetacular, com um considerável domínio nas competições domésticas (em cinco anos na Inglaterra, foram dois títulos de Premier League e o terceiro, tendo os Citizens mais de dez pontos de vantagem na liderança, parece questão de tempo). Mas Guardiola sabe que o peso de uma conquista de Champions League ainda perdura como expectativa. É como se no próprio Etihad Stadium tivessem, logo após sua contratação, separado uma bela prateleira destinada a receber a taça europeia. Ano após ano, a expectativa de preencher esta prateleira, ainda vazia, se renova.
Guardiola, cujo último título de Champions League foi com um espetacular Barcelona em 2011, nega a obrigação de conquistar o prêmio continental pelo City. E está certo em fazer isso. O seu trabalho já pode ser considerado espetacular mesmo sem a taça “orelhuda” e, provavelmente, o catalão já pode ser considerado o melhor técnico na história dos Citizens. Mas a prateleira reservada ao troféu da Champions segue, alegoricamente, vazia dentro do Etihad Stadium. Guardiola é refém deste vazio porque sua carreira é das maiores na história do futebol.
A atual temporada, 2020-21, vê um Manchester City com esperanças renovadas e força impressionante. Além de estar sobrando no Campeonato Inglês, o time está na final da Copa da Liga e nas quartas da Copa da Inglaterra. Não são poucos os que falam sobre a possibilidade de ver os Citizens levantando absolutamente tudo. Quatro títulos de grande importância, algo jamais visto na história do futebol inglês.
O tamanho da expectativa é proporcional ao mérito de Guardiola e seu grupo, mas não duvide que se a Champions League teimar em não querer ser tocada pelo Manchester City o vazio da prateleira reservada seguirá guardando um “porém” ao trabalho do treinador catalão após a sua saída do Barcelona. Um peso que, sem dúvidas, existe. Mas um peso reservado apenas aos gigantes.