Jorge Jesus fez, após a vitória por 1 a 0 do Flamengo sobre o Grêmio, pela 33ª rodada do Brasileirão, um desabafo importante sobre a forma como vem sendo tratado especialmente por outros técnicos brasileiros.
“Não vim tirar o trabalho de ninguém, não vim ensinar ninguém. Também queria lembrar para os meus colegas que em Portugal já trabalhou um brasileiro, chama-se Scolari. Um grande treinador. Foi acarinhado por todos os treinadores portugueses”, afirmou após a vitória que o deixou a detalhes de ser campeão brasileiro.
November 18, 2019
“Além dele teve Lazaroni, Abel Braga, Carlos Alberto, René Simões, Paulo Autuori. E nós, treinadores portugueses, quando eles estiveram lá, tentávamos aprender e tirar alguma coisa positiva e nunca foi essa agressividade verbal que os treinadores brasileiros têm sobre mim. Não entendo essas mentes fechadas. Espero que olhem para mim como colega de profissão”.
Intercâmbio ajudou Brasil a ser campeão do mundo
A crítica do técnico rubro-negro foi cirúrgica e o ponto em que JJ falou sobre a mente aberta para o aprendizado tem importância fundamental. Afinal de contas, não foi só agora que o Brasil recebeu técnicos estrangeiros – e alguns deles contribuíram de forma decisiva para a maneira que consagrou mundialmente a nossa forma de jogar.
No final da década de 30, o Flamengo protagonizou situação ligeiramente parecida ao que acontece atualmente: contratou o húngaro Dori Kürschner e irritou profundamente o brasileiro Flávio Costa – que ocupava a área técnica.
Kürschner, que por aqui seria erradamente chamado de Kruschner, é tido como o treinador que sedimentou de vez as bases do sistema “WM” por nossas bandas – embora técnicos como o próprio Costa chamassem para si esta glória.
Na década de 50, Béla Guttmann, também húngaro, era treinador do mítico Honvéd e em meio a uma turnê que o time fez enquanto fugia dos problemas políticos que assolavam o país, decidiu ficar pelo Brasil.
Guttmann foi campeão no São Paulo e evoluiu de vez o “WM” para o 4-2-4 que encontrou na seleção brasileira campeã de 1958 o seu manequim perfeito. Vicente Feola foi o primeiro técnico campeão mundial com o Brasil. Feola foi auxiliar do húngaro no Tricolor Paulista.
Daqui para o mundo
O futebol mostrado pela seleção campeã mundial na Suécia encantou o mundo e consagrou de vez o 4-2-4. Na Rússia, a obsessão passou a ser formar um meio-campista tão completo quanto Didi e um ponta tão único quanto Garrincha. Eles não demoraram para ver que era algo impossível.
May 30, 2019
O brasileiro Otto Glória já estava em Portugal na primeira metade dos anos 50, depois de passagens por Vasco e América. Lá, treinou os maiores times e, em 1966, levou a seleção lusa à sua melhor campanha em Copas do Mundo até hoje: ficou na terceira posição. Depois ainda teve passagem pelo Atlético de Madrid.
O ciclo do querer aprender
Na década de 70, treinadores brasileiros desbravaram o futebol árabe e outros cantos da Ásia. O espaço na Europa, apesar das citações feitas por Jorge Jesus em sua entrevista coletiva, foi diminuindo ao longo dos anos e a impressão foi de que o jogo visto aqui no Brasil poderia ter evoluído mais – apesar da diferença maior em relação aos europeus, especialmente econômica, a partir dos anos 90.
Jorge Jesus pode até não ter vindo para ensinar, como fez questão de dizer, e de fato tem o melhor elenco do Brasil. Mas é inegável que o seu Flamengo joga em outro ritmo na comparação com os demais.
Hoje o sarrafo aumentou e quem não quiser ficar atrás precisa se movimentar para acompanhar. Como? Abrir a cabeça para buscar cada vez mais aprendizado é um dos principais elementos.
O futebol mudou e muda com rapidez incrível. Fechar as fronteiras por medo ou proteção só contribui para a manutenção da mediocridade. O Brasil já se beneficiou e também contribuiu com intercâmbio de ideias que cerca o mundo da bola.