Portugal foi bafejado pela sorte no desafio de ontem, de carácter particular, na Suíça, ao vencer o Egito por 2-1, com dois golos de Cristiano Ronaldo, já para além dos 90'. A chamada 'estrelinha' esteve do lado dos lusos, uma constante na 'Era Fernando Santos', e que em muito contribuiu para que a 'Turma das Quinas' levantasse o ceptro de Campeão da Europa, em Paris, no Euro'2016.
Mas a 'estrelinha' não serve para tudo, nem dura sempre; como aliás se confirmou um ano mais tarde, na Taça das Confederações, disputada no mesmo solo em que os portugueses vão estar a disputar o Mundial, no verão deste ano. Nas Confederações, em que o grupo de selecionados foi sensivelmente o mesmo que um ano antes se tinha sagrado campeão em França, os lusos terminaram num respeitoso 3º lugar (dirão muitos), depois de falhar nas meias finais frente ao Chile (caímos nos penáltis), para depois precisar do prolongamento para derrotar uma Seleção mexicana (2-1), com a qual tínhamos empatado na estreia no torneio, ainda na fase de grupos (2-2).
Isto tudo para dizer que o problema de Portugal nesta tal 'Era Fernando Santos', que inegavelmente trouxe prosperidade e títulos, é o mesmo da era anterior, tão bem lembrada pelos piores motivos, com Paulo Bento ao leme (apesar de este também ter conseguido bons resultados, como uma presença nas meias-finais do Euro'2012, tendo Portugal só caído nos penáltis, e perante a futura vencedora do torneio: Espanha).
Já então, e desde que não há Deco, ou melhor, desde que a Seleção de Portugal passou a jogar numa variação de um 4-4-2 (a Seleção de Paulo Bento só aparentava jogar em 4-3-3, uma vez que, principalmente em processo defensivo, e para proteger Cristiano Ronaldo das tarefas defensivas, um dos interiores fechava constantemente um dos flancos), que o processo ofensivo da atual campeã da Europa passa por... cruzar bolas para a área. Cruzamentos atrás de cruzamentos, à espera que o génio de CR7 (que o é, sobretudo neste capítulo) a finalizar nas alturas, ou um qualquer avançado utilizado que esteja em dia sim (André Silva já teve desses dias), resolvam. Jogo interior, nem vê-lo.
Ontem, frente ao Egito, isto foi tão gritante que a primeira coisa que Fernando Santos começou por fazer para resolver este problema foi... Colocar Ricardo Quaresma. Um André Gomes com um nível de confiança a roçar o zero (o próprio o admitiu recentemente) também entrou, mas a solução de FS foi a mesma que tem sido desde que este assumiu a 'Equipa das Quinas': deixar a combinação Quaresma-Ronaldo resolver. E atenção, tem resultado. Sem ela Portugal não teria estado no Europeu de França, não o teríamos vencido, e não teríamos conseguido apurar-nos - pelo menos não da mesma maneira - para o Mundial da Rússia.
Mas há que tentar mais, que procurar outras alternativas, e nota-se que a própria equipa, ou melhor, os jogadores, procuram isso, precisam disso; mas não está lá. Essa outra forma de jogar, que não seja depender da ligação Quaresma-Ronaldo ou dos inúmeros cruzamentos para a área, não existe, não está treinada, não faz parte da estratégia.
Atenção, nada contra Fernando Santos, homem inteligente, muito capaz, e com uma carreira de fazer inveja a imensos. Mas neste momento há um problema interior na Seleção portuguesa (e não é no centro da defesa, ou do ataque). Portugal criou, nos últimos anos, o protótipo do 8 que taticamente cumpre como ninguém. E poucos nomes podem ser associados a isso como o de João Moutinho, médio titular ontem frente ao Egito, substituído por André Gomes (da mesma escola), aos 61 minutos.
Moutinho sempre foi conhecido pelo que contribuiu para o jogo coletivo, pelo que ajuda a equipa a jogar, e a defender, mas nunca por ter chegada à área, por tentar marcar em todos os jogos, por ser um 'box-to-box'. Ontem, foi o exemplo máximo disso. Enquanto a equipa nacional esteve ligada, Moutinho cumpriu; jogou e fez jogar, pela certa, e ajudou a defender. Mas não foi além disso, e quando a equipa voltou para a 2ª parte, sem fio de jogo e desligada, o primeiro a perder-se em campo foi o médio do Monaco.
As suas qualidades estão lá na mesma: estar sempre no sítio certo, para recuperar mais do que para jogar (ontem até a forma como dá linhas de passe aos colegas se ressentiu...), mas essas não servem Portugal contra equipas de médio ou baixo nível, que 'obrigam' os lusos a assumir o jogo. Nesses jogos é preciso um verdadeiro médio com chegada à área, alguém que seja menos '8 cumpridor', e mais um verdadeiro 'box-to'box', vulgo, médio de área à área, que saiba defender, mas que também chegue para finalizar e dar apoio direto aos homens da frente. E Moutinho é o 1º, nunca foi, nem nunca será, o 2º.
Moutinho e Adrien Silva brilharam no Euro'2016, quando foi Portugal a 'obrigar' as outras Seleções a pegar no jogo (ou elas tinham essa premissa de jogo), mas na Taça das Confederações nenhum dos dois esteve particularmente bem, já que os adversários (Nova Zelândia, Rússia e o próprio México) utilizavam essa mesma estratégia, e 'obrigavam' os lusos a assumir a bola durante largos períodos de jogo.
Como resolver isto então? Como tentar manter a estratégia claramente defendida por Fernando Santos, mesmo contra conjuntos de médio ou baixo nível, mas ficar mais perto de contrariar o adversário? Mudar uma peça pode ser que chegue.
Mudar o '8' (vulgo, Moutinho, Adrien, ou até André Gomes), para um 'box-tobox'. E eles estão lá, e ontem estavam lá, mas saltaram tarde para o jogo, ou não saltaram de todo. Falo de Bruno Fernandes ou Manuel Fernandes.
O 1º entrou ontem, aos 76', numa altura em que o caos tático reinava, e as individualidades lusas tentavam fazer a diferença partindo desse mesmo ponto de vista: individual. Tem golo (13 nesta temporada), mas ainda é jovem (23 anos), mais propenso ao erro, e é mais um '10' que um '8'. Mas e Manuel Fernandes? Tem escola de '8' clássico (quem não se lembra dos seus tempos no Benfica?), tem experiência - 32 anos - e golo, muito golo. No regresso à Seleção, em novembro passado, abriu o ativo, frente à Arábia Saudita, e mais vezes tentou marcar. Pelo clube - Lokomotiv de Moscovo - leva 13 golos este ano (os mesmos que Bruno tem pelo Sporting CP), depois de ter apontado 9 na última época. Moutinho? Fez 1 golo esta temporada.
Assim, e para resumir, Portugal ontem não jogou bem (a 1ª parte foi sol de pouca dura), mas podia ter 'disfarçado' melhor. Bastava meter um médio centro que tentasse chegar mais vezes à frente, tentasse mais o golo, tentasse ser menos '8' e mais 'box-to-box'. Estamos em altura de testes, e Fernando Santos podia aproveitar para isso mesmo: testar. Mudando o jogador sem mudar forçosamente a estratégia, mudar o nome de João Moutinho pelo de Manuel Fernandes.