Voltar para o Bordeaux não estava nos planos de Pablo. Um temido retorno que nem de longe passava pela cabeça do zagueiro durante o período de sucesso com a camisa do Corinthians. A conturbada negociação para permanecer no Timão virou novela sem final feliz e, com isso, o futebol francês novamente bateu à porta.
Apesar de ter "feito de tudo" para seguir no clube do Parque São Jorge, onde foi alvo de promessas não cumpridas, o defensor não guarda rancor e hoje está satisfeito com o caminho que a carreira tomou. Fez 15 jogos na reta final da temporada passada, tendo saído "esgotado" de todos, e até acredita que evoluiu tecnicamente nos últimos seis meses.
Pablo, ainda assim, queria ter ficado no Brasil. Tentou bastante. Também esteve muito próximo de assinar com o Flamengo, mas viu os franceses endurecerem e pedirem um alto valor pela transferência. Paciência. Às vezes "há males que vêm para o bem".
Voltou para o Bordeaux com a temporada andamento e rapidamente assumiu a titularidade. Acha que o clube, por enquanto, está satisfeito?
Não sei. Eles acompanharam tudo o que aconteceu comigo no Brasil, então certamente tinham a expectativa que eu voltasse bem e ajudasse o time. Já a minha expectativa, sinceramente... Não posso dizer que foi uma surpresa, porque sou muito dedicado, trabalho muito. Colho aquilo que planto. Fiz jogos no meu limite, porque não estava tão bem fisicamente. Fiquei esgotado em todas as partidas, qualquer cinco minutos de acréscimos já teriam dificultado muito o meu rendimento em campo. Joguei mesmo no limite físico.
Poucas pessoas esperavam a sua volta para o Bordeuax, talvez nem mesmo você...
Exato. Na minha cabeça, não voltaria mais para o Bordeuax. Por tudo o que foi falado, tudo o que foi discutido com o Corinthians durante todo o ano (2017)... Não tinha pensamento algum de voltar. Óbvio que o valor que o Corinthians tinha que pagar ao Bordeaux era alto para os padrões do Brasil [4,5 milhões de euros], mas era um valor fixado. Ou seja, não precisava negociar, não precisava mexer em praticamente nada. Era comprar do Bordeaux e acertar comigo. Pensava mesmo em continuar no Brasil, até porque, naquela época, também tinha em mente tudo o que já havia passado na França. Não queria voltar. A minha primeira passagem pelo Bordeaux foi muito difícil, por causa da adaptação, da cultura, da língua... Minha esposa e eu não queríamos passar por tudo outra vez.
Estava convencido na permanência no Corinthians?
Sim, exatamente. Era o meu pensamento.
Há algum arrependimento ou erro da sua parte em relação à negociação com o Corinthians?
Não, nada. Pelo contrário. Muitas pessoas realmente não sabem o que de fato aconteceu, falam muita coisa. Eu e o meu empresário [Fernando César] temos uma longa e forte parceria que já dura quase nove anos. A confiança entre nós é muito grande. Nós fizemos de tudo e um pouco para que eu ficasse no Corinthians. Toda vez que a gente achava uma solução, surgia um obstáculo imposto pela antiga diretoria. Fizemos o possível para dar certo. Infelizmente, as coisas não saíram do jeito que eu tinha planekado, a minha ideia sempre foi permanecer no clube. Vida que segue. Voltar para o Bordeaux e mostrar que posso jogar na Europa, tudo isso também foi importante para a minha valorização. Foi muito bom ter jogado no Corinthians, mas, no fim, também foi muito bom ter voltado para cá.
Você foi visto por muitos torcedores como vilão, mas, pelo visto, o Corinthians também prometeu algumas coisas e não cumpriu...
Foi isso o que aconteceu. A gente chegou a acertar um contrato em junho. Termos de contrato, salário, luvas, tudo certo... Passou um tempo e não quiseram mais fechar esse contrato. Mas não guardo rancor, nem mesmo mágoa. Eles defenderam o clube, enquanto eu defendi o futuro da minha família. Tenho esposa, filho, pais, familiares. Não sou diferente de ninguém. Mesmo com tudo isso, pensando no meu futuro e em toda a minha família, fiz o possível para permanecer no Corinthians.
Como acha que o torcedor corintiano te enxerga hoje? Tem raiva? Sente gratidão?
Ah, acho que me olham de uma forma positiva. Estive quatro dias em São Paulo durante as férias, e foi uma surpresa muito grande a forma como fui recebido. Recebi muito carinho, sobretudo dos torcedores do Corinthians. Foi muito bacana. Felizmente, reconheceram aquilo que fiz pelo clube. Dei o meu melhor, tentei ser o mais profissional possível e pude, juntamente com os meus companheiros, alcançar praticamente todos os objetivos do clube, com dois títulos [Paulistão e Brasileirão].
Com a desistência do Corinthians, acreditou que ao menos fosse acertar com outro clube brasileiro?
Sim, conversei com outros clubes. Mesmo com o Corinthians de lado, a possibilidade de continuar no Brasil continiou muito grande. Mas o Bordeaux foi inteligente. Como não tinha a obrigação de manter o valor fixado combinado com o Corinthians, o clube começou a colocar o preço que queria para avançar com as negociações. Isso, então, dificultou de vez a minha permanência no Brasil.
Alguma negociação chegou a bater na trave?
Tive praticamente tudo acertado com o Flamengo. Acertamos tempo de contrato, salário... Só faltou mesmo o acerto com o Bordeaux. A dificuldade foi extrema. Não deu, e voltei para o Bordeaux. Às vezes a gente acha que uma coisa vai dar errado, mas, na verdade, é o que Deus quer. É quase dizer que há males que vêm para o bem. No fim, voltar para o futebol francês foi o melhor para mim. O Bordeaux me valorizou ainda mais, o que me deixou muito feliz. Mesmo sem ter jogado, renovaram o meu contrato. Isso me deixou mais seguro e confiante para realmente mostrar o meu potencial aqui, algo que não tinha conseguido aqui no passado.
Qual a avaliação que faz do Pablo de hoje?
Estou muito feliz com tudo o que consegui mostrar profissionalmente. Joguei num grande clube do Brasil, fui reconhecido como um jogador de qualidade. Voltei para o Bordeaux, fiz uma metade de temporada excelente. Na minha visão, melhorei em alguns aspectos dentro do jogo. Melhorei consideravelmente a minha saída de bola, por exemplo. No Corinthians, até tinha uma boa saída de bola, mas não com a mesma confiança que tenho agora. Sou o mesmo Pablo do Corinthiabs, só que com um pouco mais de qualidade técnica. Evoluí bastante, mesmo levando em consideração a questão física. Agora, pegando uma temporada do zero, pretendo evoluir ainda mais. Estou num nível muito bom. Porém, como todo atleta que pensa alto, ainda tenho muito para alcançar. O meu primeiro e grande objetivo é a Seleção Brasileira, algo que sempre deixei bem claro. Quero defender o meu país. Para isso, claro, preciso jogar em alto nível, o meu time precisa estar bem. Também penso em jogar em uma grande equipe da Europa.
Reconhece que demorou para "explodir" no futebol? Só ganhou notoriedade no Corinthians, já com 26 anos...
Sim, acredito que sim. Mas tenho em mente que às vezes a gente passa por algumas situações, pessoais e profissionais, que geram um amadurecimento necessário. Tudo o que vivi nesses dois primeiros anos complicados na França e a passagem pelo Corinthians moldaram o Pablo de hoje. Óbvio que existem jogadores que não precisam de adaptação, não precisam superar determinadas barreiras, mas comigo foi assim. Precisei passar por algumas situações para aprender e crescer. Tive duas lesões graves também. Operei a hérnia inguinal e, logo depois de recuperado, comecei a sentir dores no púbis, então precisei fazer uma nova cirurgia. Ao todo, perdi seis meses. Me recuperei no fim de 2016, mas, na ocasião, o Bordeaux tinha uma equipe boa, com uma defesa forte. Perdi espaço e, para piorar, não recebi oportunidades. Felizmente, surgiu a chance de ir para o Corinthians, onde pude mostrar todo o meu potencial.
O sucesso com a camisa do Corinthians em algum momento te fez parar e pensar que, de fato, era um jogador de qualidade?
Com certeza. Sou muito profissional, muito dedicado... Você colhe tudo o que planta, é a lei da vida. Mesmo com todas as dificuldades, sempre fui o mesmo cara, sempre esforçado e respeitador. Foi muito importante para mim tudo o que vivi no Corinthians, porque pude mostrar quem eu sou de fato. Também foi importante para mostrar para o próprio Bordeaux a minha qualidade, o meu valor.
Sente que surpreendeu muita gente do Bordeaux ao ter voltado em alto nível? Alguém chegou a admitir isso?
Olha... Todos. Todos eles. O principal foi o antigo treinador [Jocelyn Gourvennec], que acabou por sair logo depois que voltei. Ele não me deu oportunidades lá atrás, até porque tinha as próprias escolhas, mas, curiosamente, foi o responsável por pedir a minha volta. Ele pediu o meu retornou e ficou muito feliz por ter conseguido. Me elogiou muito, me chamou de campeão, exaltou a minha importância, o meu crescimento... Ter voltado desta forma foi muito gratificante.
Com a defesa da Seleção Brasileira se aproximando de uma renovação, sente que tem chance de ser chamado?
Tenho uma expectativa muito boa, muito boa mesmo. Isso está na minha cabeça, e não é de agora. Penso nisso desde o Corinthians, sendo que naquela época muito gente chegou a dizer que eu merecia uma convocação. Percebi, então, que realmente poderia vestir a camisa da Seleção Brasileira. Sei que o Tite acompanhou o meu trabalho no Corinthians, que o Sylvinho [auxiliar] recentemente também esteve aqui para ver um jogo do Bordeaux... Não estou tão distante da Seleção assim [risos]. Hoje, com o futebol francês cada vez mais em evidência, não posso deixar de sonhar . Vou seguir trabalhando forte, com muita dedicação.
Como vê a evolução do Malcom? Tem potencial para jogar em qualquer clube do mundo?
Com certeza. O Malcom, que é um "moleque", muito novo, tem uma qualidade absurda. Quando fui embora do Bordeaux, no começo de 2017, ele tinha acabado de chegar, tinha cerca de um ano de clube. Mas ainda não era o Malcom de hoje. Voltei agora e felizmente pude ver claramente a evolução dele, tática e técnica. Cresceu muito, e tem tudo para jogar num grande clube da Europa. Também tem muito para defender a Seleção Brasileira.