A dor da perda muitas vezes parece insuperável. Incontáveis vezes nos perdemos em pensamentos, lembranças e no desejo de querer que a pessoa amada ainda estivesse ao nosso lado. A tristeza e a saudade são quase insuportáveis em alguns momentos. O tempo, porém, nos ajuda a seguir em frente e torna a situação mais suportável. É preciso continuar vivendo e ser feliz, mesmo sabendo que a convivência com a saudade será eterna, assim como as boas lembranças e a dor de querer, mas não poder ter quem você ama ao seu lado.
Passo a passo, a Chapecoense vai comprovando essa realidade, se reconstruindo e seguindo em frente. A dor e a saudade pelos falecidos no trágico acidente em 29 de novembro de 2016 sempre irão existir, mas a Chape honra as vítimas em 2017 e surpreende, apesar de estar fazendo o que já vinha sendo feito nos últimos anos.
A Chapecoense encantou o Brasil e deu exemplo com uma gestão muito boa e responsável. O clube não gastava e não gasta mais do que arrecada. O orçamento não é dos maiores, mas é bem utilizado, foi criada uma identidade e um modelo, e o bom trabalho nos bastidores foi visto com ótimos resultados dentro de campo, mesmo tendo um elenco sem grandes estrelas e limitado, mas com bons jogadores e bem armado.
Em 2009, a Chape estava na Série D do Campeonato Brasileiro. De 2014 pra cá, sempre esteve na Série A. Foram quatro títulos estaduais nos últimos dez anos, além do brilho continental. Em 2015, o Verdão do Oeste chegou às quartas de final da Copa Sul-americana, sendo eliminado apenas pelo gigante River Plate, e no sufoco. Já em 2016, uma história mágica, deixando os tradicionais Independiente, Junior Barranquilla e San Lorenzo para trás, foi interrompida antes da decisão, a primeira internacional da história do time, com o Atlético Nacional, mas o clube catarinense, de forma emocionante e merecida, foi declarado o campeão.
A Chape deixou de ser um clube amado pelo Brasil para ser querido e homenageado em todo o mundo. No entanto, após a tragédia, veio o medo de como a Chapecoense iria conseguir se reconstruir praticamente do zero, depois da perda de quase todo o seu elenco, da comissão técnica e de dirigentes primordiais, inclusive seu presidente, Sandro Pallaoro. O clube, porém, conseguiu continuar sendo exemplo e encantando o Brasil. As pessoas mudaram, mas a mentalidade e essência da Chape foram mantidas, e o resultado é emocionante e impressionante.
Em dezembro, o clube não tinha plantel. Em junho, é campeão catarinense, está no oitavo lugar do Campeonato Brasileiro, podendo entrar no G6 nesta noite, caso vença o Flamengo no Rio de Janeiro, às 21h (de Brasília), e avançou ao mata-mata da Libertadores dentro de campo de forma histórica, mas por uma polêmica punição, acabou eliminado. Por outro lado, está na Copa Sul-americana, que conhece muito bem. O trabalho é excelente e exemplar.
Não à toa, muitos ficam curiosos em saber como a Chape conseguiu se reconstruir de forma tão rápida e com ótimos resultados. Em entrevista exclusiva à 'Goal Brasil', Túlio de Melo, um dos principais nomes do elenco catarinense, revela detalhes da reconstrução do clube.
"A diretoria fez um grande trabalho na escolha dos atletas para montar o grupo. No início, ninguém se conhecia dentro de campo, mas durante o Estadual a gente foi se entrosando, criando uma força e melhoramos a cada jogo. Nós vimos que o time tem qualidade e poderia fazer alguma coisa", afirma o atacante.
"A gente tem que acreditar. Sabemos que o time não é grande e não vai brigar pelo título, mas temos que levar cada jogo muito a sério. O grupo é muito humilde, não tem vaidade. Estamos trabalhando muito e o grupo tem potencial individual e coletivo. Acreditamos na gente e os resultados estão acontecendo", completa o camisa 10.
Túlio, inclusive, é um dos jogadores mais identificados com a Chapecoense. Ele já tinha defendido a Chape em 2015, participando da histórica campanha na Copa Sul-americana, e conhecia boa parte do elenco que brilhou ainda mais em 2016, quando ele estava no Sport. Após a tragédia, o atacante voltou ao clube para ajudar no processo de reconstrução, e tem sido peça importante com gols e boas atuações.
No entanto, como não poderia ser diferente, o camisa 10 sente mais o peso do acidente do que outros nomes do elenco, que não tinham vestido a camisa da Chape anteriormente. "No início foi muito difícil. Para mim, principalmente, ter que voltar ao mesmo vestiário e ao estádio foi muito complicado pelas lembranças. Fiquei muito triste, mas o tempo vai amenizando as coisas, deixando tudo menos pesado", comenta.
E não só o tempo, mas um pacto especial feito pelo grupo da Chape tem sido fundamental nos bons resultados e no desempenho dentro de campo.
"Nunca vamos esquecer o que aconteceu e o que os atletas, a maioria meus amigos, fizeram pelo clube. Nunca vamos esquecer disso. Mas a gente não pode lamentar isso todos os dias, se não a tristeza não passa nunca, e um time de futebol triste nunca vai dar certo. O futebol é alegre. A gente tratou de conversar isso e dizer que precisava de um clima alegre no vestiário e dentro de campo pra dar certo. Tivemos essa conversa e fizemos esse pacto, e deu certo. Nós queremos honrar todas as vítimas da tragédia", revela.
Além do pacto, da vontade de honrar os amigos falecidos e dar orgulho e alegria aos torcedores da Chape e toda a cidade de Chapecó, o que também motiva a Chapecoense são os exemplos de Neto, Alan Ruschel e Jackson Follmann, que representam o milagre e a vitória sobre o impossível para o elenco catarinense.
"(Os três) São fontes de inspiração diária pra gente. Estamos sempre com eles e eles são demais. O Alan já está treinando normalmente como jogador do clube. Ainda não tem data certa, mas acho que não demora muito, ele já volta a jogar com a gente. O Neto vai precisar de mais um tempinho ainda, mas é impressionante. Às vezes, a gente se esquece de tudo o que aconteceu com eles, pelo fato de eles estarem treinando bem e normalmente com a gente. Nós ficamos muito felizes por isso. Mas a gente ainda vê as cicatrizes no corpo dele (Neto) e lembramos de tudo o que aconteceu. É incrível eles estarem conosco, e bem e treinando normalmente. São fontes de inspiração e temos que honrar a Chape", se emociona.
Durante toda a entrevista, ao falar sobre a Chape, Túlio, como não poderia ser diferente, ficou muito emocionado. No entanto, foi ao falar de Bruno Rangel, o eterno artilheiro da Chapecoense, maior goleador da história do clube com 81 gols, que a voz do camisa 10 ficou mais embargada.
Amigos, companheiros de clube, profissão e posição. O carinho é tanto, que Túlio sequer pensa em ser artilheiro da Chape. "O Bruno era um grande atacante e uma grande pessoa. Eu nem penso em me tornar artilheiro, penso em marcar meus gols e ajudar a Chapecoense, dar alegria aos torcedores e ajudar o clube e meus companheiros. Se acontecer, algum dia, de alguém ultrapassar o Bruno, isso não fará diferença. O lugar do Bruno é intacto, intocável. Ele fez a história dele aqui, que está marcada por toda a eternidade. Ele era um cara sensacional (longa pausa). Ele será o artilheiro eterno da Chape", finaliza.