O Shakhtar Donetsk, a casa dos brasileiros na Europa, tem um novo xodó. Com menos de dois meses, Fernando tem tirado de letra a adaptação, ganhou a confiança do treinador português Paulo Fonseca e já é a sensação do time ucraniano no início da temporada. Foi titular nos três primeiros jogos oficiais e marcou um gol. Um cenário que, vez ou outra, ainda surpreendente até mesmo assusta o próprio atacante.
Lições de vida não faltaram para o jovem de 19 anos atingir o nível de hoje. Antes de chegar ao Palmeiras, onde ganhou visibilidade e acabou negociado por 5,5 milhões de euros em meados de junho, precisou "engolir o choro", superou a distância da família para insistir no sonho de ser profissional e, principalmente, cumpriu as promessas feitas aos pais quando ainda vendia feijão tropeiro na porta do Mineirão.
Mas não é somente na Ucrânia que o ex-palmeirense faz sucesso. Fez apenas duas partidas no Verdão, é verdade, mas deixou saudades. Tem enorme carinho da torcida do Verdão e, por isso, espera um dia voltar para ganhar títulos e atingir o posto de ídolo.
Qual o segredo para um início tão promissor no futebol ucraniano?
As coisas têm acontecido de uma forma muita rápida, e digo isso desde a minha saída do Palmeiras. Fiquei sabendo da proposta numa segunda-feira, na terça-feira avançamos com a negociação e na quinta-feira já estava dentro do avião a caminho da Ucrânia. Foi um susto, né? [risos]. Tive pouco tempo até para me despedir da família. Mas vim muito confiante para mostrar o meu talento e feliz pela oportunidade de jogar mais. A adaptação rápida é por causa dos brasileiros que jogam comigo, como o Dentinho, o Wellington Nem, o Alan Patrick, o Ismaily... São muitos. Isso facilitou bastante o início da minha trajetória aqui. Cheguei achando que a adaptação seria muito difícil, mas, com tantos brasileiros, tem sido o contrário. Estou muito à vontade.
29 de julio de 2018
Em que momento sentiu que surpreendeu e ganhou a confiança do treinador?
Primeiramente, treinei muito bem. Mas o que chamou mesmo atenção foi o primeiro amistoso que participei. Entrei e marquei dois gols. Além disso, ele [Paulo Fonseca, treinador português] notou que o time encaixou comigo na frente, ficou mais veloz. No Brasil, eu jogava mais aberto. Aqui, no momento, tenho flutuado no ataque. Fico mais no meio e, com isso, abro espaço para os laterais. Isso facilita muito o meu futebol, posso receber a bola, girar e partir para cima. O treinador tem ajudado bastante também, entendo com facilidade tudo o que ele pede. Me abraçou desde o início, o que gerou muita confiança.
Jogar na Europa, ser titular em tão pouco tempo... Já caiu a ficha?
Ah, tem hora que a ficha cai, mas tem outras horas que ainda não acredito. Foi tudo tão rápido. Vejo a cada dia que o esforço feito nos últimos anos deu certo. Tem dado certo, quer dizer. Estou vivendo um sonho.
O Shakhtar é um clube que gera muita visibilidade, vende muito bem os jogadores... Isso também pesou na hora de aceitar a proposta?
O Shakhtar, de fato, é um time que dá muita visibilidade para os jovens jogadores, muitos clubes acompanham os talentos de perto... Teve o Douglas Costa, o Willian, o Fred. Penso, acima de tudo, em conquistar o meu espaço. Quero jogar ainda mais, crescer e, quem sabe lá frente, seguir o mesmo caminho deles.
30 de julio de 2018
Quais foram os principais esforços feitos fora de campo para atingir o nível e a posição profissional de hoje?
Talvez ter ficado afastado da família. Precisei ficar longe dela quando fui para Palmeiras para buscar o meu sonho de virar profissional, tive que parar de trabalhar com o meu pai também, que vendia feijão tropeiro na porta do Mineirão. Meu pai e minha mãe são as minhas grandes inspirações, sempre me apoiaram. O meu começo em São Paulo foi muito difícil. Tinha 17 anos, nunca tinha saído de casa, pensei uma vez ou outra em desistir. Mas, com o apoio deles e também o meu esforço, insisti. Não podia desistir, por eles e por mim.
Quantas vezes prometeu aos seus pais que seria um jogador profissional?
Sempre fiz promessas para eles, mas guardo com carinho uma em especial. Nunca vou esquecer. Quando ainda estávamos em Belo Horizonte, e na época estava machucado, cheguei em casa e vi a minha mãe fazendo as contas da casa, calculando o que precisava pagar. Cheguei, virei para ela e disse: "Mãe, assim que eu voltar [da lesão], essas contas todas vão acabar". Graças a Deus, voltei bem, joguei a Taça BH e logo depois fui para o Palmeiras. Essa passagem marcou muito a minha vida. Quanto ao meu pai, a gente sempre conversava muito, principalmente na porta do Mineirão. Cansei de falar: "Pai, você ainda vai me ver aqui". Falava sempre mesmo, de verdade. Quando o Palmeiras foi jogar lá contra o Cruzeiro, e vi que o meu nome estava na lista de convocados, fiquei sem acreditar. Na mesma hora peguei o telefone e liguei para ele: "Pai, você lembra o que eu falava incansavelmente na porta do Mineirão? Então...". Ele fez uma festa enorme, a felicidade foi gigante. Chorei muito quando cheguei ao estádio, fiquei muito feliz por realizar mais um sonho e, claro, cumprir uma antiga promessa.
Ainda te emociona falar sobre isso?
Emociona, com certeza. [Pausa] Meu pai e minha mãe são fundamentais na minha vida. [Pausa] Tenho muito orgulho da minha mãe. Vou contar uma história... Quando a minha tia tinha acabado de ter um bebê, a minha mãe ainda estava grávida de mim, que viria a ser o primeiro filho. Minha tia faleceu três meses meses depois de ter dado à luz. Faltando cinco meses para o meu nascimento, a minha mãe pegou o meu primo recém-nascido para criar e também a minha prima, que na época já tinha dez anos. Fez tudo isso mesmo não tendo condições de criá-los. Anos depois, quando descobri tudo, fiquei ainda mais motivado para buscar o meu sonho de jogar futebol profissionalmente. Pensava assim: "Se a minha mãe não tivesse criado meus primos, que agora são meus irmãos, talvez eu não seria quem sou hoje, poderia ter uma vida totalmente diferente". Tenho um orgulho enorme da minha mãe, que criou três crianças mesmo sem ter condições. Felizmente, os meus pais nunca nos deixaram faltar nada.
Agora, dentro de camo, o Gabriel Jesus visto como uma inspiração?
Com certeza. Uma inspiração para mim e para todos os jogadores da base do Palmeiras.
Qual jogador do Palmeiras foi a sua principal referência?
Todos me abraçaram muito bem quando subi para o profissional do Palmeiras, mas o jogador experiente que mais se aproximava da molecada era o Fernando Prass. Dava muitos conselhos, instruções, dicas... Me ajudou muito dentro do clube, foi um paizão mesmo. No meu último dia no clube, conversamos rapidamente, basicamente sobre as dificuldades de adaptação na Ucrânia.
Felizmente, você por enquanto tem tirado de letra a adaptação...
[Risos] Está sendo fácil, entre aspas. Consegui facilitar a adaptação.
Deixou o Palmeiras com a sensação de ter recebido pouco tempo para mostrar trabalho?
É... Joguei mais pela base, né? Tive apenas duas oportunidades [dois jogos] no profissional, uma contra o Vitória e outra o Ituano. Na verdade, foi tudo muito rápido. A minha chegada, a minha promoção e também a minha venda. Tenho um carinho enorme pelo Palmeiras, continuo acompanhando e torcendo daqui. É um clube que vai ficar marcado para sempre na minha vida.
Mas ficou frustrado por ter recebido poucas chances?
É o sonho de qualquer atleta jogar no time profissional do Palmeiras. O elenco do Palmeiras é muito forte, então é difícil conseguir espaço, principalmente para um jogador recém-chegado da base. Mas sempre batalhei e trabalhei duro para jogar. Infelizmente, tive pouco tempo de jogo. Mas, repito, sou muito grato ao Palmeiras. Fizeram muito por mim.
Impressiona o carinho que o torcedor palmeirense nutriu por você. Por que acha que é tão aquerido?
Fico muito feliz com o carinho que recebo até hoje, muitos torcedores queriam ter me visto jogar mais no profissional. Muitos, aliás, me comparavam bastante com o Gabriel Jesus. Mas o Gabriel é o Gabriel, o Fernando é o Fernando. A comparação, claro, sempre me deixou feliz, até porque o Gabriel é um excelente jogador, nasceu dentro do Palmeiras e conseguiu virar ídolo da torcida.
Deseja voltar ao Palmeiras e devolver todo o carinho?
Com certeza. Ainda sou muito novo para pensar num eventual retorno, mas espero um dia voltar para o Palmeiras e conquistar títulos. Quero ganhar a torcida, quero ser ídolo também.