É difícil lembrar de uma Copa América cercada de tanta importância quanto essa de 2019. Para o Brasil, não basta apenas manter a tradição de ter sido campeão nas outras quatro vezes em que recebeu o torneio. O título é obrigação especialmente para remediar as decepções recentes da equipe nacional. Tite sabe disso e não quis arriscar na sua lista de convocados. Esta postura mais objetiva e pragmática foi ainda além quando, para substituir o cortado Neymar, o técnico optou pelo experiente Willian em detrimento de Vinícius Júnior. Ter fechado as portas do torneio para o símbolo de renovação em nosso futebol deixa claro o temor por arriscar.
Não que tenha deixado de renovar o seu grupo de jogadores depois da queda nas quartas de final do Mundial de 2018. Dos 23 convocados para a Copa América, nove não estavam na Rússia e seis deles não passam de 23 anos. Dentre os atacantes, Richarlison e David Neres são os maiores símbolos desta renovação, os grandes candidatos a saírem mais valorizados tanto em custo de mercado quanto na idolatria perante os torcedores de seu país. O jogador que mais simboliza a renovação do nosso futebol de qualidade, entretanto, ficou de fora. A ausência de Vinícius Júnior também acabou personificando a hesitação para dar passos adiante pelo medo de perder.
O sub-20 mais valioso do futebol brasileiro [€ 70 milhões em valor de mercado, segundo o site Transfermarkt, e o sexto mais valioso de seu país considerando todos os aletas] ficou de fora da renovação no primeiro campeonato de um novo ciclo de seleção. Simples assim. Incomum. Mas julgando pelas circunstâncias do momento em que Tite divulgou a lista para a Copa América, no dia 17 de maio, era até compreensível.
Em março de 2019, uma lesão no tornozelo tirou Vinícius Júnior da parte mais aguda da temporada europeia e, também, dos amistosos contra Panamá e República Tcheca. David Neres, em campo na ponta-esquerda do Ajax exatamente no duelo em que Vinícius deixou o gramado lesionado, fez um dos quatro gols que ajudaram os holandeses a eliminarem o poderoso Real Madrid das oitavas de final da Champions League. A vaga migrou para as suas mãos, e jogador do Ajax a segurou com todas as forças – inclusive dando uma das assistências na vitória por 3 a 1 do Brasil sobre os tchecos.
Mas quando uma nova lesão de tornozelo, desta vez a que sacramentou o corte de Neymar, entrou em cena, era impossível não apostar no garoto de São Gonçalo para herdar a vaga. Se o Brasil havia perdido o seu melhor craque do momento, por que não remediar com o que é visto para ocupar a mesma função no futuro? Além do mais, e principalmente: Vinícius cumpria com todos os requisitos: também atua na ponta, tem qualidade no jogo e de drible. Ainda que não esteja completamente lapidado, conseguiu ser protagonista e lidar com a pressão de um Real Madrid que não teve resultados à altura depois de perder Cristiano Ronaldo. É um jogador que simboliza um sopro de ar fresco no bafo ainda presente dos 7 a 1 e resultados ruins que vieram depois.
Na Copa América de 2019, Vinícius só apareceu para ser modelo (Foto: Divulgação/Nike)
Vinícius vem apresentando um bom futebol desde 2017, quando ainda estava no Flamengo. Surpreendeu positivamente no Real Madrid. E, mesmo assim, jamais teve uma oportunidade para jogar na seleção principal. O mais perto que chegou disso foi exercendo a função de modelo para apresentar a camisa branca, alusiva ao título da Copa América de 1919 e inutilizada desde os idos de 1950. Lucas Moura, do Tottenham, também era opção aos 26 anos, idade geralmente do auge de esportistas e do auge do jogador revelado pelo São Paulo.
Novo camisa 10, Willian personifica o trabalho de Tite na seleção
Tite tem argumentos para justificar a escolha por Willian, mas eles são marcados no medo de arriscar e fazer o novo. Considerando as principais seleções no pós-Rússia, o Brasil manteve 14 atletas. É o mesmo número da França, campeã do mundo recheada de jovens que ainda têm muito caminho pela frente, um a menos do que a Inglaterra em situação semelhante à dos franceses e três a menos na comparação com um envelhecido Uruguai que já faz milagres com o que tem. A renovação na seleção de Tite [que diminuiu a média de idade de 28,6 apenas para 27,7] é menor do que as feitas por Mano Menezes após 2010 [de 29 para 26 anos] e Dunga pós 2014 [saindo dos 28 para 26]. E a explicação para isso está na pressão pela entrega de resultados acima de qualquer coisa.
Há 20 anos, o Brasil treinado por Vanderlei Luxemburgo chegava à Copa América realizada no Paraguai repleto também em polêmicas: lesões provocaram os cortes do meio-campista César Sampaio e do goleiro Carlos Germano, Leonardo pediu dispensa porque, dizem, não teria gostado de perder a faixa de capitão para Cafu e, por questões disciplinares, Edílson havia sido cortado. Em seu lugar, o treinador arriscou ao chamar um garoto magrelo e dentuço do Grêmio que na época era uma promessa para o futuro. Seu nome era Ronaldinho Gaúcho, e logo na sua estreia ele fez um gol antológico contra a Venezuela: entrou em campo quando o placar era de 4 a 0 e fez o quinto gol após ‘chapelar’ um adversário e tirar, com um toque de tornozelo, outro de ação antes de fuzilar para o fundo das redes. Virou um fenômeno a partir daquele momento.
Não tiveram medo de convocar um Ronaldinho que ainda era promessa, e que por sua vez foi ousadia e qualidade pura quando foi testado. Aquela Copa América foi conquistada pelo Brasil também num contexto em que tanto Argentina quanto Uruguai não enviaram o que tinham de melhor. Como foi dito aqui, é difícil lembrar de uma Copa América cercada de tanta importância quanto esta de 2019. Para todos os lados e todas as seleções. Para o Brasil, ainda mais. Dentro deste contexto é possível entender por que Tite optou por Willian, o seu caminho seguro e conhecido, em detrimento de Vinícius Júnior, o símbolo de renovação e o desconhecido que há por vir. Concordar com a escolha, aí, é outra história.