Toda roda de conversa sobre Felipe Melo, salvo um ou outro extremo, é mais ou menos assim: joga muito, mas leva cartão demais.
É essa inclusive a imagem que ficou de seu mais icônico jogo com a camisa da seleção brasileira: numa Copa do Mundo em que vinha atuando muito bem, deu lindo passe para Robinho abrir o placar no jogo de quartas de final contra a Holanda, mas no segundo tempo acabou expulso por pisar no adversário cinco minutos depois do Brasil sofrer a virada - ficou difícil reagir com um a menos, e a equipe de Dunga terminou eliminada.
Agora, por conta da expulsão contra o Bahia na rodada 14 do Brasileiro, ele acabou denunciado por agressão e nesta sexta-feira, 23, foi punido por quatro jogos de suspensão. Como já cumpriu um, restam três, perdendo, por exemplo, um duelo direto contra o Flamengo. Ainda cabe recurso, e a defesa alega que foi só a primeira expulsão de Felipe no Brasileiro desde o retorno ao Brasil, em 2017.
Isso dias depois de ser expulso contra o Grêmio, pela Copa Libertadores, quando chegou atrasado em duas tentativas de desarme no meio-campo e foi para o chuveiro por conta dos dois cartões amarelos.
Então, com dois vermelhos em dois jogos seguidos, o debate sobre Felipe Melo está de volta.
Bola
Felipe Melo é um dos melhores jogadores do Palmeiras na temporada. Demonstra bom posicionamento, imposição física e senso de antecipação no sistema defensivo, e não se contenta apenas com passes burocráticos na saída de bola. Por cima, muito forte em ambas as áreas.
São 34 jogos, sendo 32 como titular, e 4 gols. Foi à área para marcar em momentos importantes contra o Godoy Cruz, quando o time perdia por 2 a 0 na Argentina, e diante do Corinthians, garantindo o empate em Itaquera.
É inegável que, sem ele, o time perde com e sem a bola. Afinal, é o primeiro volante de uma equipe que preza pela consistência e pelo encaixe na marcação, ao bom estilo Felipão. E que conta com a qualidade de Felipe para que o jogo comece com qualidade no passe quando a posse é retomada.
Para quem gosta de pontuação por estatísticas, o índice Footstats da Libertadores colocou Felipe Melo como o melhor jogador da competição até as quartas de final, com base em seus números de desarmes, interceptações e duelos vencidos. Até o jogo contra o Bahia era também o terceiro volante com as melhores notas no Brasileirão pelo levantamento do Yahoo, e também está entre os quatro primeiros da posição no prêmio Bola de Prata da ESPN.
Cartão
Felipe Melo não tem sido dos jogadores mais faltosos, com média de menos de 2 infrações por partida na temporada. Mas o número de cartões é bastante alto.
Se são apenas quatro expulsões nessas três temporadas de retorno ao futebol brasileiro, o meio-campista tem uma coleção invejável de amarelos. Pelos registros do oGol, são 54 advertências em 119 jogos, ou seja, praticamente uma média de um a cada dois jogos.
Em 2019, são 34 partidas e 16 amarelos. Desde que começou o Campeonato Brasileiro, no final de abril, foram 11 cartões em 18 jogos, além das duas expulsões já citadas.
E aí o cartão gera dois prejuízos para o jogador e o time. Primeiro que são muitos os jogos em que Felipe Melo precisa atuar pendurado, evitando contatos em razão de um cartão sofrido logo cedo. Nas vitórias apertadas contra Internacional e Athletico, por exemplo, ele foi amarelado antes dos 20 minutos de partida.
Depois, claro, as suspensões. No ano passado, foram cinco por acúmulo de cartões no Brasileiro, já que levou 15 amarelos. Nesta edição da Série A, já desfalcou o time na rodada 6, na rodada 12 e na rodada 15. Agora, na Libertadores, a expulsão contra o Grêmio custará o jogo de volta das quartas de final, terça-feira, em São Paulo.
E a conta
Felipe Melo é desses jogadores que atua no limite. Em defesa própria no julgamento, disse que a intensidade do lance é a mesma que ele usa em todas as jogadas. Ou seja: quem joga com tamanha força e uso do corpo sobre os adversários sabe que está atuando de forma a ser punido pelo árbitro.
E quem joga sem prudência corre o risco de desfalcar o time a qualquer momento, como foi na expulsão diante do Cerro Porteño, também em mata-mata de Libertadores, no ano passado, ou agora contra o Grêmio. Em 2017, por causa da briga com atletas do Peñarol, pegou três jogos na mesma competição (com o jogo terminado, não chegou a receber cartão).
São vários os exemplos de jogadores do tipo ao redor do mundo. Cada um a seu estilo, gente como Diego Costa, Pepe, Sérgio Ramos e Suárez têm uma série de lances em que levam a disputa ao limite, às vezes físico, às vezes mental. Atingem seu melhor nível assim, num minuto decidindo o jogo, no outro mordendo um zagueiro. Se enroscam até onde dá, tensionam a interpretação do árbitro até onde puderem chegar. Muitas vezes são chamados de violentos, bandidos.
Se Felipe Melo tem poucos cartões vermelhos com a camisa do Palmeiras, tem inúmeros lances em que fica no quase. Como diria o outro, cada enxadada é uma minhoca. É claro que também tem razão quando diz que é visto de forma diferente pelos árbitros, mas a construção da imagem é de autoria própria, rasgando até bola ao chão. Quem quer ser chamado de pitbull e se apresenta sustentando tapa na cara de rival, queria o quê? Carinho?
E aqui vale registrar que não há nenhuma pureza sobre o assunto. Felipe Melo não precisa ganhar o Belford Duarte para jogar muita bola. E nem considero que um grande volante precise ser aquele que quase nunca recebe cartão. É do jogo, é da função o encontro físico o tempo todo e faz parte chegar atrasado ou parar o meia rival.
O ponto é: para jogar assim, é preciso ser muito inteligente para que o mérito de um jogo intenso e firme não se torne constrangimento com punições bobas, ingênuas, como o bote afoito no segundo amarelo em Porto Alegre. Se o melhor jogo de Felipe Melo é com cartão jogo sim, jogo não, cabe a ele mediar essa conta.
Quando ela escapa, numa semana em que levou um cartão por tempo e foi duas vezes para o chuveiro mais cedo em jornadas seguidas, é justo que retorne a dúvida sobre o quanto esse tipo de jogo compensa.