Quando Thomas Muller abriu o placar contra o Barcelona, dentro do Estádio da Luz, no jogo único de quartas de final desta rara Champions League, foi como se o mundo do futebol se unisse em um único pensamento: o questionamento do porquê o meia alemão, peça importante em títulos como Copa do Mundo e da própria Liga dos Campeões da Europa, não é tão valorizado ou exaltado quanto o nível gigante de seu futebol. A sensação perdurou até o camisa 13 fazer o seu segundo tento, o quarto do Bayern, ainda no primeiro tempo. E só diminuiu um pouco em meio ao choque causado por uma goleada histórica sendo construída.
Quando relembrarem este Bayern x Barcelona pela Champions de 2020, é provável que duas coisas cheguem à mente primeiro: a goleada impressionante sofrida pelo time do craque Lionel Messi e o contexto da competição sendo disputada em portões fechados - com jogos únicos por causa da pandemia da Covid-19. A participação com gols e assistência de Philippe Coutinho, emprestado pelo Barça ao clube alemão e descartado dos planos Bávaros para 2020-21, também aumenta a “crueldade” no peso da goleada sofrida pelos catalães. Thomas Muller, o melhor em campo, acaba não ganhando a maior parte dos holofotes. Chega a ser irônico isso acontecer com Muller mais uma vez. É como se fosse uma insistência do destino.
Em maio deste ano, o jornalista Jonathan Liew chamou o craque alemão de “o jogador fantasma” em sua coluna para o The Guardian. Lembrou que Muller não é o protagonista nem antagonista, nem herói ou vilão. Passa despercebido pelos holofotes ainda que tenha uma capacidade invejável de resolver partidas. Ainda que seja um multicampeão, com grande capacidade técnica e de leitura e adaptação tática aos mais diferentes jogos. O diagnóstico de Liew acerta em cheio. E é por isso que, quando Muller está em campo, sempre vale a pena ficar reparando em seus movimentos. Estamos falando de um craque. Um dos grandes craques.
Na Copa do Mundo de 2014, por exemplo, nenhum outro jogador participou diretamente de tantos gols. Muller marcou cinco vezes e deu passes para outros três. Quando a Alemanha bateu o Brasil por 7 a 1, no jogo mais parecido com o atropelamento bávaro sobre o Barcelona, o meia-atacante contribuiu balançando as redes e dando assistência. Mas apesar de todos estes feitos, quem foi eleito o melhor daquele mundial foi Lionel Messi, vice-campeão com a Argentina – uma escolha que causou polêmica na época.
Quem, naquele 2014, pensou em Muller como melhor do Mundial? Pouca gente. A força daquela Alemanha era o conjunto, e o carimbo do 7 a 1 também abocanhou boa parte do protagonismo histórico daquela campanha. Normal.
Assim como também é normal exaltar os feitos de Lionel Messi, o maior craque de sua geração – e por consequência melhor do que Muller, é claro. Mas não deixa de ser curioso que enquanto o argentino sempre esteja nos holofotes, o alemão dificilmente seja ao menos lembrado para grandes prêmios. A pauta antes de Barça e Bayern se enfrentarem, por exemplo, era a comparação entre o camisa 10 barcelonista e o atacante polonês Robert Lewandowski. Muller, que na equipe alemã é quem mais joga parecido a Messi (além de ao longo de sua trajetória também ter atuado em todas as posições mais avançadas), foi pouco lembrado – apesar de ter participado da entrevista coletiva na véspera.
Mas deveria ao menos ter sido. Antes do jogo em Lisboa, se levantássemos as estatísticas desta temporada 2019-20, veríamos que Messi tinha mais assistências no geral do que Muller. Acontece que o Campeonato Alemão tem menos participantes e, consequentemente, menos rodadas do que o espanhol. Fazendo a média por 90 minutos, Thomas era o jogador que mais dava passes para gol. Depois dos 8 a 2, até nos números gerais Muller empatou com Messi: agora cada um tem 25 assistências, com o jogador do Bayern mantendo a média por partida maior (0.68 contra 0.59, segundo a Opta Sports).
Longe dos holofotes do protagonismo e em um time coeso e forte como conjunto, Thomas Muller se coloca como uma espécie de anti-Messi no futebol atual. Jogador fantasma, herói invisível... chame ele como quiser, mas não esqueça de o rotular como craque.