As vaias que anteciparam o fim de uma nação
A seleção da Iugoslávia jogou a última Copa do Mundo como nação em 1990, e muitos acontecimentos fizeram com que o país se desmembrasse.
A seleção da Iugoslávia jogou a última Copa do Mundo como nação em 1990, e muitos acontecimentos fizeram com que o país se desmembrasse.
Os hinos nacionais são um símbolo de respeito presente nas Copas. Precedem cada uma das 64 partidas da competição, e são também uma forma de revelar as maravilhas das nações ali representadas. Isso pode levar a alguns torcedores reagirem, de maneira positiva hoje ou negativa, o que causa interpretações políticas sempre que acontece. Um dos exemplos mais notáveis disso, que envolveu também um contexto de rivalidade, foi quando a antiga Iugoslávia se preparava para o Mundial da Itália, em 1990.
A situação ocorreu em junho de 1990. O Muro de Berlim havia caído há menos de um ano, provocando grande abalo no sistema soviético e sendo uma mostra do que estava por vir, neste caso, a dissolução da União Soviética e, quase paralelamente, iniciou-se a Guerra dos Balcãs, o conflito armado mais sangrento da Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial, que ocasionou o fim da Iugoslávia. Um ano antes de todos esses acontecimentos, os jogadores da seleção da Holanda foram testemunhas involuntárias de que algo não ia bem naquela região quando visitaram Zagreb, capital do que se tornaria a Croácia. Quando o hino iugoslavo soou no Estádio Maksimir, a torcida, amplamente croata, começou a vaiar de maneira uníssona e sincronizada. Os croatas não se sentiam mais como parte da então República Federal Socialista da Iugoslávia.
Os holandeses não entendiam. Frank Rijkaard e Marco Van Basten, os autores do 2 a 0, se olhavam sem acreditar na cena. O que Leo Beenhakker e os companheiros de seleção não sabiam era que o país estava prestes a implodir. A morte do marechal Josip Broz Tito, em 1980, fez a nação ficar num estado de deriva social e econômica sem fim. Os nacionalismos internos e os choques entre religiões dos diferentes grupos sociais agitaram a região, algo que não se via há decadas no continente e, aquelas vaias em Zagreb, de um público majoritariamente croata, mostrou que aquela seleção não representava mais a nação como um todo.
As manifestações contrárias durante a execução da música mostrou que era necessária uma reforma profunda no país, ou as consequências seriam graves, como foram entre 1991 e 2001. Cinquenta mil mortos foram registrados entre os civis. Antes dessa guerra, a multiculturalidade com a qual a seleção contava na formação, através de cinco bósnios (Mirsad Baljic, Faruk Hadzibegic, Davor Jozic, Safet Susic e Zlatko Vujovic), três sérvios (Predrag Spasic, Dragan Stojkovic e Dejan Savicevic), dois croatas (Tomislav Ivkovic e Zoran Vulic) e um esloveno (Srecko Katanec) foi abandonada, como o equilíbrio que manteve a região dos Balcãs em paz desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Todos eles, no entanto, teriam uma oportunidade de competir por uma mesma bandeira no Mundial da Itália, em 1990, quando foram eliminados nas quartas de final contra a vice-campeã, Argentina. O que se sucedeu é conhecido como o capítulo mais triste da história europeia desde 1945.