'Brincando' com o sagrado: vale a pena modernizar os escudos dos clubes de futebol?
Conversamos com especialistas em diversas áreas e resumimos um pouco do processo de mudança nos escudos de City, Atleti e Juventus
Conversamos com especialistas em diversas áreas e resumimos um pouco do processo de mudança nos escudos de City, Atleti e Juventus
Toda grande mudança vem acompanhada de protestos, e no futebol não é diferente. No último dia 16 de janeiro, a Juventus anunciou o seu novo escudo. Uma drástica diferença, algo bem inesperado. O objetivo é modernizar a marca da ‘Velha Senhora’, e fazer do ‘J’ um estilo de vida. A alteração no emblema dominou o assunto futebolístico, com muita gente cuspindo no desenho novo e outros defendendo. É a velha briga: ‘tradição vs inovação’.
O futebol carrega toda uma paixão que é passada de uma geração para a outra. Qualquer torcedor tem um ídolo ou uma camisa favorita – aquela que de certa forma marca um título importante, uma época. O uniforme, principalmente nos dias atuais, muda muito. Mas o escudo parecia ser imutável, salvo pequenas alterações, e talvez por isso essa mudança esteja gerando tanta polêmica.
Em nota oficial, a Juve explicou um pouco da mudança: “Crescer em termos de presença e influência e expandir os negócios do clube através de uma série de iniciativas radicalmente inovadoras, visando aos torcedores bianconeros ao redor do mundo e aqueles com menor interesse no futebol”.
Muitos torcedores não gostaram, mas outros mantiveram um pouco mais a calma e preferiram exaltar o amor pelo clube e não por um ‘desenho’. Segundo o presidente Andrea Agnelli, a Juve realizou um estudo de um ano até fazer a polêmica mudança. O fato de a Itália ser, dentre os grandes centros históricos do futebol mundial, talvez o país que mais vezes mudou emblemas nas camisas (muitas vezes, os clubes nem mesmo tinham o símbolo bordado nelas) parece diminuir um pouco o impacto. Parece. Na opinião do italiano Claudio Carsughi, um ícone do jornalismo brasileiro, o novo escudo não agradou.
“Eu achei muito feio, o emblema tradicional é muito mais bonito. Agora, é claro que é uma novidade. O departamento de marketing da Juventus deve ter estudado isso a fundo. Mas a minha impressão pessoal é negativa, e pelo que eu pude ver com os meus amigos na Itália parece que ninguém gostou”, disse para a 'Goal Brasil'. “É uma tentativa. A Juventus tem um departamento de marketing muito funcional, que consegue promover muito bem as suas coisas, consegue tirar muito dinheiro com o estádio que tem (...) Se for um resultado financeiramente válido, também é possível que os torcedores mais apaixonados acabem mudando de ideia”, avaliou.
Já o designer Rodrigo Cid elogiou o novo desenho, mas com algumas ressalvas: “Limparam bastantes elementos, como a presença do amarelo, que já foi representado de algumas formas bem diferenciadas (tarja, estrela, elipse...), e eliminaram o touro. Hoje em dia temos um escudo com símbolo e logotipo, simples e cheio de conceitos, que podem ser trabalhados facilmente como marca, juntos ou separados, na horizontal e na vertical, o que facilita muito a aplicação e a comunicação”, explicou para o site.
Mas bater palma para o trabalho feito pelos designers é uma coisa, elogiar a decisão da diretoria – que efetivamente é quem dá o caminho a ser seguido – é outra: “A mudança visual foi grande. Tanto a forma de elipse, como também a eliminação do touro, causaram um forte impacto (...) O escudo do Juventus mudou bastante com o tempo, existem elementos baseados na heráldica (regras para a construção de brasões) em sua composição, o que é bem comum quando se trata de Europa, por causa de sua história”, completa Rodrigo.
A Juventus não foi a única a apresentar mudanças em seu emblema. Recentemente, Manchester City e Atlético de Madrid também divulgaram seus novos escudos. Quando o City divulgou, no finalzinho de 2015, o símbolo que atualmente é utilizado na camisa, a recepção foi positiva. Afinal de contas, apesar de alguns detalhes modernos, os 'citizens' resgataram sua história.
Foi com um emblema em formato circular que o time inglês viveu alguns de seus momentos mais gloriosos, principalmente nas décadas de 1960 e 70. Se o desenho antigo continha vários signos da cidade de Manchester, eles continuam no atual (o navio, os três rios e a rosa de Lancashire). Um escudo que é moderno e globalizado, mas não deixa de lado a memória afetiva/histórica e as raízes com sua comunidade. Um excelente exemplo de sucesso.
Já o escudo divulgado pelo Atlético de Madrid no final de 2016 levantou muita polêmica. Os torcedores 'colchoneros', conhecidos pelo fanatismo e tradicionalismo, detestaram: fizeram protestos na internet e organizaram até mesmo um abaixo assinado contra a nova logo. Mas olhando com mais calma, foi uma evolução... e não mudaram nada na essência. Na realidade, aumentaram ela!
No vídeo acima, de pouco mais de dez minutos, o clube explica como foi o processo da modernização do escudo. Dirigentes, jogadores e profissionais da agência contratada passam informações importantes que fazem boa parte dos mais reticentes aceitarem a ideia. Por exemplo: o desenho está mais arredondado em homenagem ao primeiro escudo usado na história da agremiação, tirou o excesso de espaço vazio do branco ao aumentar os desenhos do urso e do 'madroño' - símbolos da capital espanhola – e deixou apenas as únicas cores que importam para os 'colchoneros': o 'alvirrubro' acompanhado do azul. Um trabalho corajoso, e que apesar das críticas se manteve muito fiel e mais otimizado.
Quer você goste ou não, o chamado ‘futebol moderno’ chegou para ficar quando o assunto é o jogo no mais alto nível. Os grandes clubes do mundo já são empresas, marcas globais. E o novo símbolo da Juve pode ser encarado até mesmo como um marco do futebol empresarial “As marcas corporativas fazem isso com muita frequência. Por exemplo, uma empresa famosa que fabrica sorvetes mudou a sua marca em relação a décadas atrás, e o desenho atual não lembra em nada ao antigo”, avalia o consultor de marketing e gestão esportiva Amir Somoggi. “A tradição remete a títulos, a ídolos, a glórias... e isso tudo está no símbolo tradicional. O Santos, por exemplo, não pode mudar tanto a sua marca a ponto de ficar distante daquele Santos de Pelé, que é famoso no mundo todo até hoje. E a mesma coisa funciona com Barcelona, Real Madrid, Bayern... Hoje os clubes que mais faturam no mundo até evitam mexer nisso, porque veem naquilo a sua grande força”.
É claro que em um passado muito distante, a Juventus chegou a jogar com um ‘J’ em sua camisa. Mas não foi algo muito marcante quanto outros símbolos da equipe de Turim. O grande erro cometido pelo clube não foi buscar o que podemos chamar de o primeiro marco gráfico do futebol empresarial na elite, foi esquecer que o foi o futebol e os fanáticos por esse esporte que transformaram a ‘Velha Senhora’ na gigante que é. Um tiro no pé que a própria nota oficial deixa claro quando diz que visa “e aqueles com menor interesse no futebol”.
Qual seria a melhor alternativa? Na opinião de Somoggi é possível inovar em conceitos novos, mas com responsabilidade maior: “Eu sou muito favorável à criação de submarcas, era o que a Juventus poderia ter feito. Eventualmente até usar essa marca, um dia, na camisa de jogo, mas nunca impor isso ao torcedor. Não é assim que funciona quando o coração está envolvido”, explicou. “Essa falta de conexão entre passado e futuro é responsabilidade da administração. O Barcelona tem o mesmo símbolo há mais de 100 anos e está ganhando muito mais dinheiro do que eles. Resgatar o passado e aí fazer uma nova logomarca eu acho que é fantástico. Tudo que for resgate do passado e atuação no presente/futuro tem que ser trabalhado pelo clube”.
Os três entrevistados tiveram opiniões parecidas quando o assunto foi a mudança dos emblemas dos principais clubes do Brasil: seria inviável ou desnecessário. As alterações que aconteceram nos últimos 50 anos foram, muito mais, alguns detalhes (uma estrela comemorativa aqui, uma mudança no formato da letra acolá...). Uma exceção que vem à mente é o Palmeiras, que durante a Segunda Guerra também teve de mudar o nome, e o Cruzeiro – que alterna um escudo ‘fechado’ com a constelação que lhe dá nome solta na camisa.
E se o Brasil está bem atrás em muita coisa relacionada ao futebol moderno, os escudos dos considerados 12 grandes do país dão um exemplo de simplicidade e minimalismo que é exatamente o que os europeus estão procurando fazer. Não dá para ficar somente olhando para o passado, alimentando um saudosismo que às vezes se transforma em cegueira. Mas também é errado só olhar para a frente sem lembrar que foi por causa do futebol, craques títulos e torcida que uma instituição futebolística chegou a determinado ponto.