George Weah, 25 anos de um melhor do mundo único

"Quando cheguei no PSG, fazia zaga com o Geraldão, e no início do campeonato recebemos o Monaco. O (camisa) 9 deles era o Weah. Saímos com a vitória, mas sofremos para marcá-lo. Depois do jogo comentamos que ele seria um ótimo reforço para a próxima temporada — e foi o que aconteceu."
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A lembrança de Ricardo Gomes remete a setembro de 1991, ao ser perguntado pela Goal sobre o impacto em ver George Weah num campo de futebol. Como o ex-zagueiro brasileiro afirmou, a sugestão despretensiosa acabou virando realidade, e meses depois daquele encontro em Paris o atacante da Libéria trocava de camisa para passar três temporadas no time da capital francesa.
Corta para outro setembro, o de 1995. O Milan visita a Roma e sai perdendo na capital italiana. Weah, com 28 para 29 anos, empata o jogo num chute seco e vira depois de ganhar na velocidade, limpar Aldair e tocar na saída do goleiro. Era a primeira grande vitória na conta do atacante na Série A. Estava tudo ali. A precisão, a força, a velocidade, a técnica e, acima de tudo, o brilho próprio. Era o melhor jogador do mundo.
Isso porque a tradicional Bola de Ouro entregue pela revista France Football pela primeira vez abriu a votação para jogadores de fora da Europa. O prêmio seguia válido apenas para os campeonatos do continente, mas agora, depois de anos descartando gente como Diego Maradona ou Paulo Roberto Falcão, o colegiado de jornalistas europeus consagrou um forasteiro. E de forma avassaladora.
Dos 49 votantes habilitados naquele dezembro de 1995, 20 escolheram George Weah como primeiro colocado. Outros 16 o incluíram entre o segundo e o quinto lugar na lista. Com isso o liberiano somava 144 pontos, contra 108 de Klinsmann e 67 de Litmanen.
"Ele aproveitou tanto o declínio temporário de poder de algumas personalidades extremamente fortes, além de seu próprio brilho sob as camisas de Paris Saint-Germain e Milan. Mas não se descarta a ideia de que, inconscientemente, um espírito de mudança também possa ter pesado no veredito de alguns jurados", escreveu Jean-Jacques Vierne na edição da France Football após o prêmio.
Será? Dias depois, a premiação da Fifa fez o africano unificar os troféus, novamente com léguas de distância. Dessa vez, também com a participação dos técnicos das seleções, ele teve 25 escolhas para principal jogador do planeta, contra 9 de Paolo Maldini. Somou 170 pontos no total, muito acima dos 80 do defensor italiano e dos 58 de Klinsmann, aqui o terceiro.
O olhar da África
O sul-africano AB Basson, jornalista da Backpage Media e da AfricanFootball , define aquela histórica Bola de Ouro como uma "vitória para todos do futebol". E refuta essa ideia de que a mudança da regra possa ter tido toda essa influência nos votos.
"Se fosse, haveria mais africanos e sul-americanos nominados ou com mais pontos. No final, apenas oito jogadores de fora da Europa estavam na lista dos 34 votados. O mais próximo de Weah foi Gabriel Batistuta, com só sete pontos, o que mostra que o prêmio mantinha um viés europeu", avalia, 25 anos depois.
Filippo Ricci, jornalista da Gazzetta dello Sport , continua. "Penso que as pessoas aproveitaram a abertura para olhar para fora da Europa. Foi histórica e começou a mudar a visão sobre o futebol africano. Mas se premiou a qualidade. Simplesmente isso. Weah era o melhor."
Pegando como referência o ano anterior, 1994, Romário levou o troféu da entidade máxima do futebol com 346 pontos, contra 100 de Hristo Stoichkov e 80 de Roberto Baggio. Na Bola de Ouro, que impedia votos ao brasileiro, o búlgaro ganhou tranquilamente do italiano, 210 a 136.
O assunto repercutia. Na Folha de S. Paulo , o colunista Sílvio Lancellotti escreveu um texto em 28 de janeiro de 1996 onde dizia que o futebol italiano não havia se interessado antes por George Weah por puro preconceito. Não exatamente o racial, avaliava ele, mas sim uma desconfiança mais voltada para o temperamento do jogador — o que, convenhamos, não deixa de ter a mesma origem na discriminação.
No parágrafo seguinte, o jornalista trouxe outro exemplo. "Durante a Copa de 90, Luciano Moggi, que montou o time do Napoli, campeão em 87 e 90, me contou que, apesar do sucesso de Camarões no torneio, dificilmente qualquer clube peninsular contrataria seus astros. A razão: o choque cultural." O que circulava no país era a lembrança dos jogadores da sensação da Copa se divertindo na piscina do hotel em que ficaram hospedados em Bari, durante o Mundial.
Ou seja, Weah era um jogador africano encantando a Itália e finalmente alçado à primeira prateleira da bola, mas apenas depois de ter passado sete temporadas na França e ter seu comportamento "aprovado" como um atleta caseiro e um homem interessado por assuntos de política, diferente do estereótipo criado sobre os parceiros de Roger Milla cinco anos antes.
"A premiação foi uma grandiosa sinalização dentro do futebol europeu naquela época, acima de tudo. O mundo do futebol já havia ligado o alerta desde a campanha de Camarões na Itália e até mesmo a conquista de Abedi Pelé na Champions League, pelo Olympique de Marselha. O prêmio do liberiano assimilou uma primeira e relativa estabilidade dos jogadores africanos no mercado europeu, e que serviu como modelo a ser seguido pelas gerações futuras em África", analisa Luis Fernando Filho, do podcast Ponta de Lança , dedicado ao futebol africano.
Aquela virada para 1996 acabou abrindo ainda outros olhares para o continente até então pouco representativo na elite europeia. Diferente do futebol atual, Weah jogou um tempo considerável na Libéria e em Camarões, chegando na França só em 1988, aos 22 anos. Mas foi depois, com a repercussão das honrarias individuais, que passou a ganhar mais espaço para tratar de seu país e de seu continente.
"Deve haver um modo de desenvolver esses jovens, para que eles cheguem ao futebol europeu já amadurecidos. Não se deve fazer negócios com empresários estranhos. Muita gente não sabe, mas eu sou dono de um time de futebol do campeonato liberiano. A partir desse time, vou enfrentar esse problema concretamente", disse em entrevista à Folha , em janeiro de 1996.
A publicação se deu dias depois da eliminação precoce da Libéria da Copa Africana de Nações, tendo vencido o Gabão, perdido do Zaire e terminado na lanterna do grupo. Weah arcou com os custos da viagem e da estadia da seleção na África do Sul, marcando a primeira de duas participações da equipe nacional no torneio. Era também a primeira campanha mais consistente da equipe naquele fim do período mais duro da Guerra Civil.
Os conflitos internos na Libéria começaram em 1989. No calor dos acontecimentos nas ruas, a seleção se retirou das eliminatórias para a Copa Africana de 1992 e mais tarde, na virada para 1993, abandonaria no meio a disputa por uma vaga na Copa do Mundo. Com os troféus na mão naquele começo de 1996, Weah já via a situação mais controlada depois do cessar-fogo assinado em 1995 (ainda que novos conflitos tenham estourado no ano seguinte).
"Quando a guerra começou, já estava no Monaco, da França. Estava preocupado, e as coisas só pioravam em meu país. Foi difícil jogar, dando alegria aos torcedores de meu time, sem saber se minha família estava viva. Era difícil até ter notícias, já que minha família não tinha telefone. Foi um pesadelo. Mas agora a situação melhorou. Minha mãe mora em Acra, em Gana, onde comprei uma casa para ela", falou à mesma Folha.
Naquele papo, quando perguntado sobre suas ambições políticas e o nível de popularidade e confiança que tinha junto da população de seu país, o craque do Milan não deu voltas. Disse que, se os liberianos o queriam comandando a nação, ele faria a vontade do povo. George Weah foi eleito senador, em 2014, e depois presidente da Libéria, em 2017, com mandato vigente até 2023.
Enquanto isso, seu legado pode ser visto semanalmente nos gramados europeus. O mercado da bola se abriu, e o prêmio de 25 anos atrás foi de certa forma um escudo para os sucessores. "Muito se discute sobre ele ser o melhor de todos, e isso é realmente discutível, mas talvez seja o maior levando em consideração o movimento de atletas africanos que se afirmaram na Europa durante a década. Sem George, Abedi Pelé, Roger Milla, Yeboah e tantos outros, dificilmente Eto'o, Drogba ou Yaya Touré, por exemplo, teriam o acesso mais facilitado nas principais ligas", afirma Luis Fernando Filho.
"Se dão conta que na África há jogadores não só bons física ou tecnicamente, mas que podem ganhar. Abedi Pelé havia ganhando a Champions, mas no Marselha. Stephen Keshi jogava no Anderlecht, Yeboah no Hamburgo, Okocha no Eintracht Frankfurt... Weah é o primeiro que chega numa equipe muito grande e vai muito bem. Então [Weah no Milan] muda essa perspectiva", completa Fillipo Ricci.
O olhar do Brasil
Mario Jorge Lobo Zagallo, técnico do Brasil em 1995, não votou em George Weah para melhor do mundo pela Fifa. Segundo reportagem do jornal O Globo , na eleição aberta para os técnicos de equipes nacionais a preferência dele foi por Bebeto, Ronaldo e Aldair.
Ainda assim, a seleção, que naquele ano perdeu a Copa América para o Uruguai, levou o prêmio máximo na cerimônia, à frente de Alemanha e Itália. Romário, que tinha trocado o Barcelona pelo Flamengo, foi o quarto jogador mais bem pontuado no ranking dos jogadores, e Juninho, que viajou do São Paulo para o Middlesbrough, o oitavo.
Weah sempre falou muito do futebol brasileiro. Na já citada entrevista à Folha em 1996, ele trata Pelé como seu grande ídolo, diz que sonhava em jogar no Maracanã e chega a admitir que não saberia para quem torcer num jogo entre Brasil e Libéria. Enfrentou a amarelinha só uma vez, num jogo em que defendeu a seleção da Fifa em Nova Jersei.
"Ele é apaixonado pelo futebol brasileiro, adorava ouvir as histórias dos brasileiros e falava da sua alegria em ver a seleção jogar", conta Ricardo Gomes, parceiro de Weah no PSG naquele ano de melhor do mundo. Raí e Valdo também faziam parte do elenco do clube francês.
Mas foi depois, no Milan, já na preparação para a temporada 1997-98, que ele veio fazer seus golzinhos aqui no Brasil.
A Copa Centenário de Belo Horizonte marcava a despedida de Toninho Cerezo do futebol. O Patrão da Bola vestiu a camisa 100 e jogou os primeiros 15 minutos da partida contra o Milan, convidado para o torneio. O ídolo do Atlético-MG foi ovacionado e deixou o campo abraçado por Paulo Maldini, seu velho conhecido dos anos em que atuou no futebol italiano.
Enquanto Cerezo dava entrevistas, volta olímpica e falava emocionado de sua trajetória no futebol, George Weah aprontava. Ele recebeu completamente cercado pela defesa atleticana, mas limpou toda a zaga e deu um biquinho no canto de Taffarel. Um golaço. Pouco depois, fez mais um, de cabeça. O fim da história é que os mineiros empataram nos acréscimos do segundo tempo, com relatos de que dirigentes italianos se assustaram com a tremedeira do concreto do Mineirão, explodindo com o gol Hernani aos 47.
Naqueles dias o Milan ainda empatou com Corinthians e América, e Weah fez mais um, mas o time acabou eliminado, invicto, do torneio amistoso.
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E o Maracanã? Só como comentarista. Na Copa do Mundo de 2014, o liberiano era um dos tantos ex-jogadores que circularam pelo país trabalhando para redes de TV estrangeiras. Quem sabe a honra não caberá ao filho, Timothy, revelado no PSG e que atualmente joga no Lille. Aos 20 anos, ele poderia defender a Libéria, do pai, a Jamaica, da mãe, ou a França, onde firmou residência. No entanto, acabou escolhendo a seleção dos Estados Unidos, país onde nasceu e viveu até a adolescência.
O olhar do mundo da bola
Rio Ferdinand percebeu. Para começar a entrevista com Thierry Henry num estúdio montado no Rio de Janeiro em dias de Copa do Mundo de 2014, ele citou o que tinha visto há pouco na chegada à gravação da BBC. O ex-atacante francês estava com uns olhos um pouco diferentes do normal. Se esses caras estão plenamente acostumados a encontrar as estrelas do futebol nesses eventos, um parecia ter mexido com o campeão mundial de 1998.
- George Weah.
- Exato, Mr. George.
Henry, que tinha posado para uma foto com um de seus maiores ídolos minutos antes, conta que tudo que as pessoas passaram a ver com mais clareza no Milan ele tinha o privilégio de assistir antes e bem de perto, no Monaco, quando ainda era um garoto sonhando em ser George Weah ali por volta de 1992.
"Eu nunca vi força e velocidade como em George Weah. Estávamos acostumados a ver centroavantes na área, esperando por cruzamentos, sendo eficientes. Mas para mim, quando eu cresci e vi George Weah, Romário, Ronaldo, eles mudaram o jogo para o camisa 9. E era como eu queria jogar", lembrou, com a praia de Copacabana ao fundo.
O histórico artilheiro do Arsenal disse também que demorou um ou dois anos, no início de sua trajetória na Inglaterra, para mostrar seu jeito de jogar. Se alguns pudessem perguntar por que aquele fazedor de gols jogava tão longe das traves, ele respondia mostrando que seu jogo era muito mais que empurrar bolas para as redes. Era mais ao estilo Mr. George.
Concordando com Henry, o analista Mairon Rodrigues, do Footure , diz que Weah é exatamente o tipo de atacante que a literatura tem chamado de jogador-sistema. "Antes o camisa 9 se envolvia bem pouco com o jogo, fazia 30 ou 40 gols porque era feito para fazer gol. Mas o Weah era mais que isso, conseguia colocar os caras no jogo também. Eu costumo dizer que ele é o pai do Eto'o, do Drogba, do Lukaku, até do Ronaldo Fenômeno. Ele já era essse cara muito à frente do tempo, e ajuda a quebrar esse paradigma do africano físico, jogando com uma elegância ímpar".
Então o melhor do mundo tinha todos atributos para um grande jogador de seu tempo e ainda marcava uma tendência para os tempos que viriam. Se isso não parece o suficiente para chegar ao topo, não se pode esquecer o terceiro fator fundamental para o estrelato: o espanto da performance individual.
Ainda que houvesse tantos grandes jogadores naquele período do futebol italiano, Weah chamava a atenção pela capacidade de fazer gols sozinho, como naquele que é uma das mais conhecidas arrancadas do estádio San Siro. Ele pega a bola na própria área após uma cobrança de escanteio do Verona e atravessa o campo em 15 segundos de passadas largas, dribles, confronto físico e tempo de bola perfeito. O barulho da torcida desde o domínio lá na defesa vai acompanhando o lance, aumentando progressivamente, até o gol. Um contra-ataque de um homem só.
"Era raro ver um cara que fazia aquilo. Mesmo a Itália tendo o grande campeonato que tinha, desde que o Maradona foi embora não tinha um brilho individual nesse nível. Era um jogo muito coletivo, e ele conseguia brilhar sozinho", completa Mairon.
E é esse impacto pessoal que marca a carreira do atacante, muito mais que os números ou as estatísticas. Bem diferente do que se tornou a discussão sobre Messi ou Cristiano Ronaldo nos últimos anos, aqui não se trata de recordes, artilharias em série ou grandes vitórias na Champions League. Pelo contrário. Para o jeito que o futebol é encarado hoje, com maior valorização para os grandes feitos em clubes gigantescos, o africano tem um currículo até modesto, o que só aumenta o tamanho de sua performance, reconhecida naqueles tempos.
O liberiano conquistou seu primeiro título importante em 1991, seu terceiro ano de Monaco, quando levou a Copa da França no time dirigido por Arsène Wenger, considerado seu grande padrinho no futebol. Foi o técnico famoso pela longa carreira no Arsenal que levou o atacante à Europa, se tornando um de seus grandes amigos no futebol, inclusive convidado para a posse de Weah na presidência e condecorado com a mais alta medalha nacional na Libéria.
Depois de quatro temporadas no principado, vieram três na capital, e pelo PSG ele levou as copas e o campeonato local. No Milan, foram mais cinco anos, com duas conquistas da Série A, em 1996 e 1999. Ainda defendeu o Chelsea, onde levou a FA Cup de 2000, além do Manchester City e do Olympique de Marselha. Em 2004, foi lembrado naquela lista em que Pelé teve a missão de indicar os 100 melhores jogadores vivos para uma grande festa da Fifa. O Rei achou a tarefa difícil, acabou abrindo para 125, e lá estava seu mais famoso fã da Libéria.