A Supercopa do Brasil conquistada pelo Flamengo sobre o Palmeiras foi um grande sopro de ar fresco para o futebol jogado no mais alto nível por aqui, dentro desta temporada 2021 com partidas sem fim de estaduais que abusam da boa-vontade do torcedor que tenta ver um bom jogo de bola. No gramado do estádio Mané Garrincha, o 2 a 2 que levou à definição por pênaltis contou com vários personagens de destaque: Arrascaeta e Gabigol mostraram que seguem decidindo para os rubro-negros na hora em que um troféu é disputado, Weverton fez defesas milagrosas no tempo regulamentar e Diego Alves foi o grande herói na disputa alternada da marca da cal.
O palmeirense Raphael Veiga foi dono do golaço que abriu o placar do emocionante embate ao, de costas e com um só toque, driblar Willian Arão antes de finalizar para o fundo das redes – Veiga também fez, de pênalti, o segundo gol e não desperdiçou sua batida nas cobranças alternadas. Retrato de um Palmeiras que não costuma desperdiçar suas chances e que, mesmo sem ter mais posse de bola, sabe tratar bem a esfera quando a encontra. Jogada tão notável quanto fez o lateral-esquerdo Filipe Luís, no lance do “quase gol” mais bonito desta temporada brasileira até aqui. A jogada terminou em gol de Gabriel Barbosa, o do 1 a 1, mas também deixou evidente o quão grande é o futebol de Filipe.
Completo. É possível definir de forma simples e sem floreios como é o futebol do lateral-esquerdo do Flamengo. E é assim desde quando ele apareceu pela primeira vez para o grande público do nosso país, ao ser um dos jogadores desconhecidos pelo fã mais ocasional do mundo da bola a ser convocado, em 2009, para a seleção brasileira. Na época Filipe Luís era jogador do Deportivo La Coruña, da Espanha, mas seria no ano seguinte que ele vestiria a camisa que mais o consagrou (antes de sua chegada ao Flamengo, óbvio) e o tornou conhecido mundialmente. Mas jogar pelo Atlético de Madrid colocou nele um rótulo difícil de se tirar: o de que ele, Filipe, era um lateral muito bom defensivamente mas com carências ofensivas.
Este rótulo era uma óbvia consequência do estilo de jogo do Atleti, já comandado por Diego Simeone e notoriamente adepto de um modelo que prioriza mais os contra-ataques, e também da ingrata comparação com Marcelo, então vivendo seu auge físico e técnico na lateral-esquerda Real Madrid. Ou seja: um rótulo fácil de se fazer, mas errado desde aquela época.
Segundo números levantados pelo BeSoccer Pro, por exemplo, no período em que defendeu o Atlético de Madrid, Filipe marcou o mesmo número de gols que Daniel Alves pelo Barcelona (12). E se tanto Dani quanto Marcelo eram imbatíveis em assistências, Filipe deu mais passes para gols naquele período (27) do que Rafinha (24), seu ex-companheiro de Flamengo e hoje no Grêmio. O fato de os números defensivos terem sido quase inigualáveis em sua passagem pelo Atleti diz mais sobre sua capacidade de adaptar-se a diferentes modelos de jogo do que algum tipo de limitação que o impede de decidir tendo a bola em seus pés.
O observador mais atento já sabia que Filipe Luís era mais do que só um grande defensor no Atlético de Madrid, mas aquela pessoa que só acompanha futebol brasileiro ou o seu próprio time só foi convencido disso quando o lateral-esquerdo chegou, em 2019, ao Flamengo. Em um time com jogo ofensivo e que sufoca adversários, Filipe manteve-se como defensor confiável e mostrou a todos o quão bom é com a bola nos pés, sendo parte fundamental nas transições ofensivas e na construção das jogadas. Quando o Flamengo joga bem, geralmente Filipe Luís é um dos que mais participam com a bola no pé.
Liderança, inteligência tática e habilidade técnica. Filipe Luís não apenas joga, ele pensa como poucos dentro de um gramado. Mas quando joga, tem a capacidade de fazer coisas lindas, como o seu “quase gol” após driblar o palmeirense Gustavo Gómez, um dos melhores defensores em ação no Brasil, para acertar a trave antes de Gabigol completar para o fundo das redes. Ter sido um dos melhores defensores, destruidores de jogadas, em seu período na Europa nunca contou toda a história de Filipe Luís. E só agora que ele está no Brasil, jogando e decidindo pelo Flamengo, que muitos perceberam isso. Que bom.