O zagueiro do Flamengo será o primeiro jogador nascido na Espanha que jogará a final da Copa Libertadores. O time carioca eliminou o Grêmio depois da histórica goleada por 5 a 0 e agora enfrentará o River Plate na final da competição, em Santiago, no Chile, dia 23 de novembro. A carreira do espanhol é um exemplo para nunca deixar de acreditar.
Poucos poderiam prever que um europeu seria um dos maiores destaques da competição sul-americana - e se previssem, provavelmente falariam do italiano De Rossi, do Boca Juniors . Mas com a globalização do futebol, cada vez mais poderemos acompanhar histórias como essa.
Dois jogadores naturalizados espanhóis disputaram a final da Libertadores: o paraguaio Raúl Amarilla, com o Olímpia, e Marcos Senna, com o São Caetano. Mas Marí será o primeiro jogador nascido na Espanha a jogar a grande decisão. E ele vive grande fase. Marcou, inclusive, o quarto gol do Flamengo na goleada contra o Grêmio, coroando sua atuação perfeita.
Confira a entrevista exclusiva com Pablo Marí, zagueiro do Flamengo:
Como foi a noite de todo o time do Flamengo após essa incrível classificação para a final da Libertadores?
Dormimos pouco, muito pouco. Com a emoção do jogo e até a ficha cair, fica difícil dormir. Se noites atrás, quando pensava como poderia ser o jogo ideal para nós, me dissessem que seria assim, eu não acreditaria. Foi muito além do que sonhei. Ninguém imaginou que seria assim. O Maracanã estava muito bonito. Dormi pouco, mas estou muito feliz e ansioso para poder jogar essa final com o Flamengo e com desejo e humildade para poder vencê-la.
O placar elástico reflete mais uma sensação sua de que tudo estava perfeito para a equipe vencer ou foi uma noite em que tudo se saiu bem graças a raça e força defensiva?
Nós tínhamos claro que teríamos que jogar com intensidade para ganhar a partida, esquecendo da mínima vantagem que havíamos conseguido no jogo de ida, porque se não, o Grêmio tornaria tudo mais complicado. Não queríamos especular nem esperar para ver o que eles poderiam fazer. Tínhamos a ideia clara de dominar a partida desde o início, mas eles nos impuseram, principalmente fisicamente, 25 minutos muito delicados. O dois contra um que fizemos na saída de bola e nas laterais criaram não foram suficientes, porque eles estavam muito fortes fisicamentes.
Depois, foram caindo e logo nos 30 minutos já estavam muito cansados, começamos a ter mais espaços por dentro e com a pegada que estávamos no ataque, no final, se marcam gols. Porque de cada duas, três ocasiões que tivemos no ataque, chegamos ao gol.
O que sentiu ao marcar o quarto gol com uma ótima cabeçada que fez o Maracanã explodir?
Eu ainda estou alucinado. Para mim, ainda estou digerindo, foi uma noite incrível, pelo meu gol, pela partida em si. Foi uma partida perfeita e quando tudo está assim, é complicado analisar se é verdade ou não. No fim, é o resultado do trabalho diário, de ter vindo para o Brasil para ganhar títulos e por grandes coisas que estou conseguindo.
Devemos ser ambiciosos mas ainda não ganhamos nada. Quando essa euforia passar, temos que ter cabeça fria e trabalhar com humildade para, se possível, voltar para casa no Natal com dois títulos.
Nesta partida, você se encontrou com Geromel, com quem cruzou no Mallorca. Ele na equipe principal e você nos juniores…
Sim, eu quando jogava no juvenil do Mallorca, e já estava há alguns anos, Geromel chegou na equipe principal. Era a época de Caparrós e me colocavam para treinar com eles de vez em quando. Quando estreei na Primeira Divisão com o Mallorca, ele estava comigo na equipe. Era uma grande pessoa, me ajudou, me apoiou porque sempre foi assim e já havia dito à ele que tinhas grandes recordações daquilo e lhe desejei sorte. Mas fui eu quem a teve, porque o Flamengo ganhou, mas a verdade é que foi um prazer revê-lo.
Considera que faz parte de um dos times mais fortes da história do Flamengo ?
É um momento muito especial para o Flamengo. Somos uma equipe, isto é o principal. É algo difícil de conseguir dentro de um grupo, mas é diferente um grupo de jogadores e uma equipe de jogadores. E nós conseguimos isso e, depois de sermos uma equipe, entram as habilidades técnicas individuais de cada jogador, que são de primeiro nível. são jogadores de seleção. Estamos falando de Filipe Luís, Rafinha, Gabigol, Bruno Henrique, Diego Alves, Rodrigo Caio… são jogadores que jogaram Mundiais, copas europeias e, por fim, estamos falando de pessoas de um nível muito grande. Portanto, se você consegue uma equipe, o individual se destaca e se joga futebol de maneira muito mais fácil.
Os gols de Gabigol, as arrancadas de Bruno Henrique, a amplitude e a experiência de laterais multi-campeões como Filipe Luís ou Rafinha, um goleiro notável como Diego Alves e um técnico de renome mundial como Jorge Jesus. Isso tudo traz um gasto de 54 milhões de euros, algo impensável para muitas equipes, até mesmo muitos clubes europeus. Tendo em conta o nível dos jogadores e a expectativa depositada, existe um meio-termo ou tudo será ou fracassos ou sucessos?,
Evidentemente, quando você faz aposta tão grande como esta do Flamengo, você a faz para ganhar títulos. Não é fácil fazer isso com jogadores que chegaram a tão pouco tempo.
Parece que nós jogamos juntos a cinco anos, mas apenas chegamos a alguns meses. Isso acontece porque priorizamos o coletivo ao individual. Acredito que todos nós somos muito conscientes e sabemos que essa pressão de vencer títulos é real, mas estamos repetindo muito uma frase no vestiário: 'temos o prazer de jogar pelo Flamengo'.
Jogamos para nos divertir, para tentar ganhar sempre e para dar alegria para a nação. Isso nos ajuda a segurar melhor a pressão, que sim, existe. Porém, o prazer de jogar no Flamengo a supera.
Qualquer um que veja sua carreira, Pablo, pode estar que seu momento brilhante no Flamengo é uma resposta a uma luta silenciosa que você está travando para encontrar seu lugar, um lugar onde pode ser útil. Ficou vários anos na Espanha, passou pela Holanda (NAC Breda) e pertenceu ao Manchester City, que te emprestou a vários clubes. Quando chegou a oferta de um clube como o Flamengo, em um Brasileirão que teve poucos espanhóis em sua história, você se surpreendeu? Como foi a adaptação? Como foi levar a família ao Brasil?
Sim, me surpreendeu e muito. Acima de tudo porque eu era um jogador da segunda divisão. Não posso dizer que eu era da primeira divisão porque eu realmente não era, exceto quando joguei na Holanda, mas aquele era um futebol de um nível inferior. Assim, quando chegou a proposta do Flamengo, me surpreendi muito. Achei que era piada.
Não é normal que, eu estando na segunda divisão, em um clube como o Deportivo La Coruña, histórico e tradicional, sim, mas que passa por momentos difíceis, que chegue uma proposta de uma equipe do tamanho do Flamengo. Me chamaram no meio da temporada, foi uma surpresa, eu quis assinar o quanto antes e consegui fazer isso em apenas dois dias.
De verdade, foi uma alegria muito grande. Ainda tenho o deslumbramento dos primeiro dias na minha cabeça, sempre me sentirei assim, não acredito que precisarei perder isso para evoluir.
Você atuou em 21 partidas, marcou três gols, e, acima de tudo, está formando uma dupla de zaga quase perfeita com Rodrigo Caio, outro que praticamente chegou agora ao Flamengo. Vocês jogaram juntos em 14 partidas, sem nenhuma derrota, somente sofrendo sete gols e com 80% de vitórias. Por que vocês conseguiram obter um rendimento tão bom e tão rápido ?
Isso é o que eu mais respondi desde que cheguei aqui. Jogar com Rodrigo Caio é muito fácil. Ele tem nível de Seleção Brasileira. É sensacional estar ao seu lado. Aprendo todo dia com ele, e mesmo que nós tenhamos a mesma idade, ele sempre sabe o que fazer, nós estamos nos dando muito bem. Nós sempre debatemos minhas qualidades e defeitos e é um prazer jogar com ele.
Cada partida no Flamengo é diferente, sim, mas nós, juntos, jogamos igual. Sabemos que a equipe precisa de nós, e a gente está correspondendo até agora.
Como Jorge Jesus trabalha seus aspectos defensivos? Como é que ele age, ao assumir um projeto tão ambicioso quanto esse do Flamengo?
Ele me surpreendeu desde o primeiro dia. Jorge Jesus mudou minha vida em três meses! Ele viu qualidades em mim que ninguém tinha visto antes e até as aprimorou. Ele extraiu coisas de mim que eu não sabia que tinha. Minha melhor versão multiplicada por dez. Vê o futebol de outro maneira e cada dia traz mais aspectos do jogo para o grupo. O nível de detalhe que ele traz em jogadas é impressionante.
Mas, para mim, o mais importante é que age imediatamente quando vê um problema. Ele intervém. Não espera o final da partida ou tomar o gol para reagir. Se vê algo, não tem problemas em mudar . Ele tem uma capacidade fantástica de resolver problemas com jogadores, de elenco, de funções... Jorge Jesus é incrível .
Essa temporada é impressionante pra vocês, pois o Flamengo é líder do Brasileirão e está na final da Libertadores. Agora, falamos de River Plate. Você viu os super-clásicos? Como avalia a equipe de Gallardo?
Sim, assisti às duas partidas entre River e Boca. Vimos no hotel, com tranquilidade. Todos os jogos do River que vi tive a mesma conclusão: uma excelente equipe, com grandes jogadores.
Eles tem um estilo parecido com o nosso, de posse de bola, controle de jogo, com ações rápidas e contra-ataques, caso apareça a oportunidade. Eles tem gente de grandíssimo nível. Aqueles que chegam em finais, normalmente são as melhores equipes.
Será uma final muito disputada. Uma noite mágica. Uma noite onde lutaremos com tudo para vencer. Será especial emocionalmente. Nós estamos conscientes de que são duas grandes equipes e qualquer um pode ganhar.
Quem é o favorito: o atual campeão, River Plate, ou o Flamengo, que tem um projeto grandioso e aposta todas as fichas na conquista da Libertadores?
No final, é uma partida só, tudo pode acontecer. Gol de rebote, expulsões...temos que estar atentos a qualquer detalhe, pois tudo pode ser decisivo. Nos concentraremos no nosso futebol, na nossa ideia de jogo, poder jogar uma final de Libertadores pelo Flamengo, 45 anos depois, é muito especial, o orgulho de poder atuar nessa partida é imenso.
Você já sabe que é o primeiro jogador nascido no solo espanhol a jogar uma final de Libertadores? O que isso te diz?
Sim, eu fiquei sabendo disso. Pra mim, é um grande orgulho, eu fico honrado. Saber que represento o meu país, tão longe de casa, que vou ser o primeiro a atuar num final, e talvez o primeiro ganhador, é algo muito grande.
Lutei muito até chegar nesse momento, sacrifiquei tudo por um sonho, e chegar aqui não foi sorte. Trabalhei duro, e continuarei trabalhando, para tentar ganhar essa Libertadores.
Nós da Espanha sabemos desde criança que nosso gosto pela Libertadores consiste em dormir pouco e ficar com olheiras a semana inteira. Esta noite, seus amigos e sua família tiveram que ficar acordados até quase cinco da manhã para ver no DAZN sua classificação para a final. Como é que eles estão reagindo a essas noites de Libertadores?
Muitas pessoas que me amam e me apoiam estão me vendo da Espanha. Você está certo em relação ao horário. Devido ao fuso, quando me levantei esta manhã no Brasil, tinha inúmeras mensagem do pessoal de casa, de amigos, da família, da gente da Espanha que se alegra em ver o que estou conquistando. Eu os digo para terem calma, ficarem tranquilos, que ainda não conquistamos nada. Ainda precisamos dar mais um passo, o passo mais díficil e o mais gratificante.
Quero aproveitar, porque nunca joguei uma final em minha vida, e do nada, posso acabar vencendo a Libertadores. Claro que as pessoas que eu amo me mandam muita força da Espanha. Isso ajuda muito.
Você se atreve a fazer alguma promessa estranha caso vença a Libertadores? Conhecendo alguns dos seus companheiros de time, me parece que, se você ganhar a Copa, não será uma comemoração calma...
Sim, meus companheiros aqui são geniais. Alguma coisa de diferente vai acontecer, com certeza. Não consegui pensar no que, ainda não me recuperei da noite anterior. Se ganharmos, nós tiraremos algo da manga, com certeza, para representar o meu país.