Com o calendário completamente modificado por conta da pandemia da Covid-19, a questão física se tornou um problema bastante debatido no mundo do futebol. No Flamengo, por exemplo, os meses parados por conta da quarentena, a contaminação em massa do elenco e os jogos em sequência sem tempo para descanso tiveram impacto grande no condicionamento físico dos atletas.
Em bate-papo exclusivo com à 'Goal', Danilo Augusto, preparador físico do Flamengo, explica como vem sendo o trabalho do clube durante este início de temporada, que será tão ou mais apertada que 2020, e o retorno gradual dos principais jogadores.
A última temporada foi completamente atípica no futebol, inclusive ela dá a sensação de que ainda não acabou. Diante deste cenário, em que os atletas tiveram apenas 15 dias de descanso, em uma época diferente da que eles estão acostumados, muda muita coisa em relação a preparação física?
"No segundo semestre da última temporada ocorreram muitos jogos num curto espaço de tempo. Isso acarretou no aumento do desgate e das lesões dos jogadores no mundo inteiro. Era esperado. No retorno das atividades, após este cenário difícil, a preparação física tem papel fundamental. Em primeiro lugar, precisamos entender e respeitar o cenário que vivemos hoje. Demos descanso de 17 dias ao elenco, e agora estamos trabalhando para cada um retornar no seu tempo, sem pular etapas, com trabalhos individuais que respeitam as características e demandas de cada um. Queremos deixá-los em condições de atuar bem durante este ano, que também será apertado. A estrutura oferecida pelo Flamengo é excelente, em todos os níveis, o que nos permite aplicar as avaliações diárias necessárias para alcançarmos nossos objetivos".
Esses dias são suficientes para que os atletas recuperem o desgaste trazido da temporada anterior?
"O período de descanso deles foi satisfatório. Necessitavam de recuperação física e mental, e acreditamos que conseguiram. Estão aptos para os treinos e exigências de uma pré-temporada. Apresentaram-se muito bem e dispostos. O elenco é formidável, experiente e extremamente profissional. Não à toa foi bicampeão brasileiro. Cabe ao Flamengo ter paciência e prezar, desde o início, por um trabalho sólido e focado para todo o ano de 2021. Assim estamos fazendo, ao promover o retorno gradual dos atletas aos jogos.
Algumas equipes sequer tiveram esses 15 dias de folga, podemos dizer que os clubes que tiveram um período de descanso, mesmo que curto, podem ter menos prejuízos a longo prazo? É quase impossível imaginar uma sequencia sem descanso até dezembro.
"Não tem como cravar, até porque há muita coisa no futebol que não é possível prever, muito menos controlar. Falando-se friamente, claro que ter um período de descanso é importante e, teoricamente, pode fazer uma diferença, mas se não houver um bom trabalho preparatório, esse descanso não valerá de muita coisa. Temos esta consciência e pretendemos administrar todos os fatores favoráveis da melhor maneira possível".
Com jogos quarta e domingo, como funciona o trabalho de preparação física? A última temporada trouxe muitos questionamentos em relação a isso.
"A preparação física precisa dividir a atenção em três grupos que se formam, naturalmente. O primeiro é composto de atletas que jogam mais partidas. Não temos tempo hábil para colocar cargas condicionantes que possam elevar a aptidão física. Portanto, o foco neles é a recuperação bem feita para deixa-los em condições de aguentar tantos jogos em sequência.
O segundo, atletas que são relacionados para os jogos, mas não entram ou jogam pouco tempo. Com eles precisamos ter cuidado para colocar cargas condicionantes para que não fiquem com tempo de atividade muito inferior aos que jogam ou igual aos que não são relacionados.
O terceiro grupo é formado por jogadores que participam dos treinos, porém não são relacionados. É um grupo que conseguimos ter um controle maior das ações que eles realizam.
Quero frisar que para todos os grupos elaboramos inúmeras estratégias, nas quais envolvemos diversos departamentos como fisioterapia, fisiologia e nutrição. Nada é feito sem o consenso entre as áreas".
É possível apontar que, mesmo depois de meses, o atleta ainda pode sentir os efeitos do tempo parado por conta da pandemia? E como tem sido trabalhar com a preparação física com atletas que tiveram Covid-19?
"Trabalhamos com atletas de alto rendimento, que se cuidam e tem à disposição uma estrutura fantástica no Flamengo. O clube dá um suporte que nunca vi igual e temos que enaltecer o Departamento Médico por isso. Inúmeros testes, inclusive em familiares, exames cardiológicos, pulmonares e demais assistências. O atleta é literalmente mapeado. Isso facilita muito os departamentos na hora de elaborar um planejamento individual para o jogador. No meu caso, na preparação física, tenho as informações pertinentes para tocar os treinos sem passar do ponto com ninguém. E tem dado muito certo.
Embora tenha um ano de pandemia, ainda sabemos pouco sobre a influência do coronavírus no rendimento do atleta, mas é óbvio que há algumas alterações que chamam a atenção. No mundo todo o número de lesões aumentou. Não tem como negar e os profissionais do esporte devem ficar atentos a isso. Por isso exalto o que fazemos no Flamengo, pois realizamos controles individuais minuciosos que nos ajudam na hora das tomadas de decisão".
Não poderia deixar de perguntar, voce fez muito sucesso nos bastidores da Fla TV na última temporada, pela forma como incentivava os atletas antes dos jogos e durante os treinos. Queria que falasse um pouco sobre isso.
"Eu gosto de impulsionar as pessoas que estão ao meu lado, seja nos treinamentos ou nos jogos. É fruto de muito estudo, muita prática e venho aprimorando nos últimos anos. Faço para oferecer um ambiente entusiasmado, em que sintam-se prontos e fortes para desenvolver o melhor perante o desafio. Não abro mão de fazer o melhor. Somamos o esforço máximo de cada um e tornamos em esforço coletivo maior.
Realizo algumas dinâmicas nas partidas, além das palavras de incentivo, e tem chamado a atenção de todos. O conteúdo é elaborado de acordo com o momento que a equipe vive, com a importância e a grandeza da partida. Observo o comportamento dos atletas nos exercícios e no ambiente nos dias que antecedem o jogo. A partir daí, surgem as ideias e exploro ao máximo minha imaginação para buscar algo que contagie, motive e deixe nossos atletas concentrados durarem os 90 minutos.
February 6, 2021
"É a minha maneira de motivar o elenco e acho que tem dado certo. Faço com que acreditem no que estão fazendo, que são os melhores e que, se cada um fizer o seu melhor, é muito difícil ganhar da nossa equipe".