Racismo a espanhola e a cara de pau de Pedrerol

No últimos dias o mundo do futebol só fala em duas coisas: dança e racismo. E no centro dessa questão aparecem o jogador brasileiro do Real Madrid, Vinicius Jr, o capitão do Atlético de Madrid, Koke, e o programa da televisão espanhola 'El Chiringuito'.
Vamos por parte para que depois ninguém diga "que não entendeu bem" ou que "não é bem assim". Na prévia do derby de Madri, Koke concedeu algumas declarações ao canal 'Movistar+' e ao ser perguntado sobre uma possível dancinha de Vinicius para celebrar um gol no Metropolitano, disse: "Haveria confusão, com certeza. É normal”.
"Se no final marca um gol e decide dançar, é o que quis fazer. Se eu entendo ou não? Cada um tem sua forma de ser e celebra os gols como quer", completou.
Essa foi a frase de Koke, ponto! Você pode concordar ou não, mas faz parte do futebol, a provocação para promover um clássico sempre existiu e sempre irá existir. Muita gente criticou o meia espanhol afirmando que ele tentou intimidar o brasileiro, enquanto outros não viram nada demais.
A partir daí, o que aconteceu no programa 'El Chiringuito' foi muito maior. O programa é um clássico da televisão espanhola e tem como âncora o jornalista Josep Pedrerol, que tenta conduzir e controlar - na maioria das vezes - uma série de convidados fanáticos, que não param de interromper uns aos outros. Um lugar onde o clubimos impera.
Um dos convidados da semana passada foi Pedro Bravo presidente da Associação Espanhola de Empresários de Jogadores, e o tema do momento era justamente as declarações de Koke.
Bravo disse: "Você tem que respeitar o adversário. Quando você faz um gol, se quer dançar, que vá ao sambódromo no Brasil. Aqui o que você tem que fazer é respeitar os companheiros de profissão, e deixar de fazer macaquice”.
Roncero, um ávido defensor do madridismo, rebateu: "Espera aí, um jogador que dança não está ‘fazendo macaquice'. É uma pessoa e você tem que respeitar isso". O "debate" continuou e outras barbaridades foram ditas.
September 15, 2022
No entanto, ao final do programa, e ao perceber o tamanho da repercussão, Bravo foi ao Twitter fazer o que todo racista faz: pedir desculpas depois que o dano já está feito, e com um agravante, justicar o uso da expressão ao dizer que "não é bem assim".
"Quero esclarecer que a expressão “fazer macaquice” que utilizei mal para descrever a dança de comemoração nos gols de Vinicius foi feita de maneira metafórica (“fazer besteira”). Como minha intenção não era ofender ninguém, peço sinceras desculpas. Sinto muito!”.
September 16, 2022
Com o tema pegando fogo, vários jogadores saíram em defesa de Vinicius e a #BailaViniJr tomou conta das redes sociais. Pelé, Neymar, Bruno Guimarães, a Confederação Brasileira de Futebol, Xavi Hernández, Richarlison, entre outros jogadores, ex-jogadores e entidades se solidarizaram com o atacante.
Horas depois, Vini quebrou o silêncio e gravou um vídeo, rebatendo os racistas: "Enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho nos olhos, haverá guerra". Tenho essa frase tatuada no corpo e tenho atitude na minha vida que transforma essa filosofia em prática. Dizem que felicidade incomoda. A felicidade de um preto brasileiro, vitorioso na Europa, incomoda muito mais. Mas a minha vontade de vencer, meu sorriso, meu brilho nos olhos são muito maiores do que isso. Fui vítima de xenofobia e racismo numa só declaração. Mas nada disso começou ontem", disse.
"Há semanas, começaram a criminalizar minhas danças. Danças que não são minhas. São do Ronaldinho, do Neymar, do Paquetá, do Pogba, do Matheus Cunha, do Griezmann e do João Félix. Dos funkeiros e sambistas brasileiros. Dos cantores latinos de reggaeton e dos pretos americanos. São danças para celebrar a diversidade cultural do mundo".
"Aceitem, respeitem ou surtem. Eu não vou parar. Não costumo vir publicamente rebater crítica. Sou atacado e não falo, sou elogiado e também não falo. Eu trabalho, e muito. Dentro e fora de campo".
"Desenvolvi um aplicativo para auxiliar a educação da criança de escolas públicas sem ajuda financeira de ninguém. Estou fazendo uma escola com o meu nome, e farei muito mais pela educação. Quero que as próximas gerações estejam preparadas como estou. Para combater racistas e xenofóbicos. Sempre tento ser um exemplo de profissional e cidadão. Mas isso não dá clique, não engaja em rede social. Então os covardes inventam algum problema para me atacar", completou.
"E o roteiro sempre termina com um pedido de desculpa. Ou um "fui mal interpretado". Mas repito para você, racista: eu não vou parar de bailar. Seja no sambódromo, no Bernabéu ou onde eu quiser. Com carinho e sorriso de quem é muito feliz, Vini Jr", concluiu.
September 16, 2022
Isso foi apenas o aquecimento para a partida. No dia do jogo, fora de campo, no arredores Metropolitano, foi possível ouvir gritos racistas de parte da torcida do Atlético: "Você é um macaco, Vinicius você é um macaco". Minha pergunta é, Pedrerol, isso é racismo em qualquer lugar do mundo, na Espanha não?
September 18, 2022
Finalmente, a bola rolou. O Real Madrid venceu por 2 a 1 com gols de Rodrygo e Fede Valverde, enquanto Hermoso descontou para os 'colchoneros'. Na comemoração do gol do 'Raio', teve samba, e Vinicius dançou, vibrou e mostrou a alegria de ser brasileiro.
Mas, claro, ainda faltava a cereja no bolo de desigualdade, discriminação, hostilidade e preconceito do programa 'El Chiringuito'. Ao final da partida, ao vivo, o apresentador Josep Pedrerol se desculpou com Vini, mas disee que expressão não é racista.
"Quero deixar um recado para todos os brasileiros. A expressão "brincar de macaco" na Espanha é fazer papel de bobo. Não é racista. Mas na tradução foi mal interpretada. Um forte abraço e continue a dança", disse.
September 18, 2022
Para completar o combo faltou apenas ele dizer a típica clássica: "eu até tenho um amigo negro". Griezmann, branco, europeu, sempre celebra os seus gols com uma dança e nunca foi alvo desse tipo de comentário no programa. Foi feio, e o 'El Chiringuito' perdeu uma bela oportunidade de dar uma verdadeira aula ao público espanhol sobre como combater o racismo estrutural.
Já que para Pedrerol, o problema da frase se encontra na tradução, aqui deixamos algumas frases, que esperamos que ele tome nota e não permita que sejam utlizadas no seu programa. É importante deixar claro que assim como em outros idiomas, o espanhol está repleto de frases ou expressões racistas, mas que são utlizadas com normalidade por falta de informação ou costume.
"Trabajar como um negro": significa trabalhar muito, uma clara referência ao passado escravista.
"Gitanada": faz referência ao povo cigano e significa trapaça ou engano.
"Sudaca" e "Panchito": palavras que se referem de forma preconceituosa as pessoas da América do Sul, em refêrencia ao passado colônial.