Um ano histórico que termina em frustração

A cereja já estava no bolo, mas despedir-se com um título no bolso é muito diferente de sair de cena após uma derrota — e que derrota! O PSG, que vinha parecendo invencível e quase divino, revelou sua face mais humana no pior momento possível. Diante de um Chelsea destemido, o time de Luis Enrique sucumbiu pela primeira vez, depois de três finais impecáveis.
Poderia ter sido o quinto troféu em seis meses mágicos, que testemunharam a transformação do PSG na melhor equipe do planeta. Um time que vinha atropelando os adversários com intensidade e ritmo, que se articulava, acelerava e desorganizava defesas com uma velocidade vertiginosa. Contudo, todas essas virtudes desapareceram quando Cole Palmer assumiu o controle da partida. Com a frieza que ultrapassa qualquer estereótipo, ele marcou duas vezes em apenas oito minutos. Para completar a obra, João Pedro apareceu como quem chega de improviso — quase com as sandálias na mão — e marcou o terceiro.
Luis Enrique não via sua equipe sofrer três gols em um primeiro tempo desde 15 de outubro de 2018, quando a Inglaterra desmontou a Espanha em La Cartuja, na primeira edição da Liga das Nações. Naquela noite, Paco Alcácer e Sergio Ramos ainda diminuíram o prejuízo, mas o placar ao intervalo foi o mesmo deste jogo. A diferença é que, naquela ocasião, a Espanha teve 70% de posse de bola e 90% de precisão nos passes, embora tenha sido em vão. Desta vez, o PSG sequer conseguiu transmitir uma sensação de controle. O time que por seis meses jogou com a "flechinha" para cima foi apenas uma sombra de si mesmo.
A dupla linha defensiva plantada na entrada da área, com ajudas constantes no dois contra um sobre Kvaratskhelia e Doué, neutralizou boa parte do perigo que o PSG costumava oferecer. Marc Cucurella teve atuação impecável e anulou completamente um Ousmane Dembélé que mal recebeu a bola. O lateral espanhol ainda teve presença de espírito para interceptar um passe de morte de Dembélé no primeiro tempo, que quase resultou no 1 a 0. Pela primeira vez no ano, o ‘Mosquito’ sentiu na pele as dificuldades do atacante isolado — e, até receber uma bronca de Luis Enrique, pouco fez para sair da zona e tentar incomodar Chalobah e Colwill.
Até mesmo Nuno Mendes, considerado por muitos o melhor lateral-esquerdo do mundo no momento, foi um problema — desta vez para o próprio PSG. Enzo Maresca insistiu em atacar pelo setor do português, e foi por ali que Cole Palmer marcou os dois gols. No primeiro, Nuno perdeu o tempo do salto em disputa com Malo Gusto; no segundo, simplesmente desapareceu enquanto Palmer avançava sozinho até a entrada da área. Talvez a energia tenha acabado — depois de uma Champions e uma Liga das Nações perfeitas, mas que hora infeliz para o motor parar.
Acostumado a vencer tudo, o PSG reagiu mal à frustração. Fez birra de quem não sabe perder, como um caprichoso que nunca ouviu um "não". A final do Mundial de Clubes terminou feia, marcada por uma coleção de entradas duras e até um puxão de cabelo de João Neves em Marc Cucurella. Parecia aquele momento no FIFA em que, perdendo o jogo, só resta apertar o botão de carrinho — quadrado ou círculo, dependendo da escola — para descarregar a raiva. Até Luis Enrique se descontrolou: em meio a uma confusão lamentável, o treinador deu um tapa em João Pedro e agora enfrenta a possibilidade de uma sanção pesada.
A obra de Luis Enrique culminou, sim, com a conquista da UEFA Champions League — e isso é inegável. O 5 a 0 sobre o Inter de Milão, em plena Allianz Arena, foi a sublimação de um trabalho com o selo inconfundível de Lucho: uma equipe que sempre priorizou o coletivo, com múltiplas facetas. Um time capaz de controlar o jogo, pressionar quando necessário, resistir sob pressão e correr com inteligência. No fim, para conquistar a Europa — e o mundo - foi preciso beirar a perfeição e contar com uma versão "superprime" de Ousmane Dembélé.
O discurso de que esta foi a “era do fim dos egos e das superestrelas” tem seu valor, mas também carrega certa distorção. É simplista e oportunista dizer que o PSG se tornou melhor sem Kylian Mbappé, assim como não faz sentido tratar o projeto bilionário do Catar como uma espécie de vítima inocente neste Mundial. O clube não montou o elenco pensando exclusivamente no torneio nos Estados Unidos e, inclusive, gastou menos do que em outras temporadas, atendendo ao perfil de contratações pedido por Luis Enrique.
Ainda assim, quando a equipe enfrentava turbulências na Champions League, em janeiro, o clube reagiu com firmeza: investiu 70 milhões de euros na contratação de Khvicha Kvaratskhelia, e a partir daí, entrou em outra rotação.
Essa versão excelsa do PSG se sustentou durante todo o torneio, com uma única exceção: o Botafogo, que mostrou a Enzo Maresca um caminho para explorar. Até a final — desconsiderando essa derrota isolada para o Fogão, o PSG vinha de cinco vitórias consecutivas, com 16 gols marcados e nenhum sofrido. Mas bastou sair daquele padrão, para levar um choque de realidade.
Um choque que talvez tenha vindo na hora certa, para salvar o PSG da autocomplacência. Dito isso, esta final também serviu de prato cheio para aqueles que, há meses, estavam com a crítica engatilhada, esperando um tropeço de Luis Enrique. É fato que não há justificativa para o treinador ter se envolvido na confusão — nisso todos concordam. Mas, mesmo com o vexame em Nova Jersey, esta é uma temporada histórica. A derrota não apaga os méritos; ao contrário, oferece um novo ponto de partida. É a lembrança de que a perfeição não existe. De que o previsível vale pouco — e que, no futebol, nada está garantido até o fim.