Um garoto superou suas próprias limitações e todos os prognósticos médicos. Seu talento único e seu sonho falaram mais alto. Ele seguiu em frente, não desistiu, venceu as dificuldades e encantou o mundo. Se tornou o melhor do planeta, inspiração e ídolo para milhões de pessoas, ganhou tudo que era possível e alguém pode sonhar.
Na verdade, quase tudo.
Lionel Messi fez história. Um dos maiores da história e o maior do Barcelona, bateu recordes incríveis e que pareciam inalcançáveis, conquistou tudo em seu clube, um ouro olímpico e títulos nas seleções de base da Argentina. O gênio fez e faz o que muitos pensam ser impossível e só acreditam porque têm o privilégio de ver acontecer diante de seus olhos.
No entanto, ainda falta para Leo uma conquista com a seleção principal.
Ele bateu na trave e sofreu com os vices em 2014, 2015 e 2016. As derrotas na Copa do Mundo, na Copa América e na Copa América Centenário doeram demais. Messi chegou até a se aposentar da seleção argentina, para mudar de ideia e voltar pouco tempo depois, tamanho o clamor popular para sua volta.
E o retorno foi em grande estilo. O camisa 10 liderou e carregou nas costas uma Argentina cheia de problemas. No momento mais crítico, marcou três gols contra o Equador no jogo decisivo e derradeiro das Eliminatórias, colocando seu país na Copa do Mundo.
Com isso, o craque tinha, em 2018, mais uma chance de brilhar e enfim conquistar um título com a Argentina.
O fardo, no entanto, foi pesado demais. Pesado até para o melhor jogador do mundo e um dos maiores da história. O jejum de 25 anos sem títulos da seleção, que existe antes mesmo de ele começar sua carreira profissional, os três vices seguidos e a cobrança e expectativa injustas para brilhar e vencer um esporte coletivo mesmo que fosse sozinho.
O peso e a responsabilidade foram exagerados demais.
Messi decepcionou. Tirando 45 minutos de pura magia contra a Nigéria, teve uma Copa muito ruim. Tentou demais contra a Islândia, foi o melhor da Argentina, ainda que sem uma grande atuação, mas perdeu um pênalti decisivo. Prevendo o desastre já no hino nacional, foi apagado na humilhante derrota para a Croácia. Contra a França, até deu uma assistência, mas também não teve exibição de destaque.
No entanto, o craque está longe de ser o culpado pelo fracasso hermano na Rússia. A Argentina estava uma bagunça completa, cheia de erros cometidos por Jorge Sampaoli, e com todos os jogadores muito aquém do que podem apresentar. É difícil jogar bem em uma equipe totalmente desorganizada e perdida, ainda mais com escolhas ruins, uma atrás da outra, dentro e fora de campo, antes e durante o Mundial.
Messi decepcionou, segue sem marcar gols em mata-matas de Copas do Mundo, mas não tem culpa alguma pelo fracasso albiceleste.
Ainda assim, duas questões ficaram no ar após a eliminação argentina nas oitavas de final. Messi vai continuar jogando pela seleção argentina e conseguirá quebrar sua maldição? Qual o lugar de Messi na história sem uma Copa do Mundo?
O camisa 10 ainda não declarou se vai continuar defendendo a Albiceleste e liderar a seleção neste novo ciclo, em que o time passará por uma renovação após as aposentadorias de Mascherano e Biglia e alguns jogadores mais veteranos que devem parar de ser convocados, ou se vai jogar apenas pelo Barcelona. No entanto, ao que tudo indica, ele deve seguir defendendo seu país.
A Argentina tem talento e jogadores o suficiente para conquistar qualquer título, mas precisa de organização, algo que não existiu na Rússia. Messi pode quebrar sua maldição e o jejum de seu país na Copa América do ano que vem, que será disputada no Brasil.
Não terá o peso que teria a conquista em 2014, que certamente colocaria Messi em um patamar ainda mais extraordinário para os argentinos. Conquistar uma Copa do Mundo, encerrando um longo jejum, em pleno Maracanã, no templo sagrado dos rivais brasileiros, teria sido absolutamente fenomenal. Ainda assim, conquistar a América depois de tantos anos e tantas decepções, no Brasil, seria espetacular e comovente.
A Albiceleste tem condições de conquistar a Copa América 2019, assim como, se nada estranho e muito fora da curva ocorrer, entrará como uma das favoritas no Mundial de 2022, pensando nos excelentes nomes e no enorme talento que tem à disposição. Será necessário, claro, ter organização para isso.
Com isso, se Messi continuar jogando pela Argentina, terá condições e chance de quebrar a maldição, ganhar títulos e aumentar ainda mais sua lenda. No entanto, e no panorama atual ou caso ele decida não jogar mais pela seleção de seu país? Qual será o lugar de Leo na história?
Não tem como comparar Messi ou qualquer outro jogador a Pelé. O Rei do Futebol está em um patamar totalmente diferente. Tempos e futebol diferentes não importam. O talento, os feitos e os números do eterno craque estão aí para quem quiser ver e são indiscutíveis.
Pelé é o maior de todos os tempos, e Messi, um dos maiores da história. Para muitos, porém, é necessário discutir quem está abaixo do Rei: Messi, Maradona, Cruyff, Di Stéfano, Eusébio, Cristiano Ronaldo, Zidane, Garrincha e tantos outros. E a discussão mais polêmica para os argentinos é se Leo está acima ou abaixo do lendário campeão mundial em 1986. O 10 azul-grená precisa de uma Copa para ser o maior?
A questão é muito ampla. Ambos são espetaculares e protagonizaram magias que nos encantaram. Lances históricos e belos, a arte em forma de gols, dribles, passes e jogadas que fazem os olhos de quem ama o futebol brilharem.
No entanto, por mais que Maradona tenha feito história e algo absurdo no Napoli, se tornando uma lenda em Nápoles, na verdade, uma entidade ou até um Deus, a carreira de Messi em clubes, no caso, o Barcelona, é inegavelmente superior a do D10S em todos os quesitos. Não cabe discussão. O craque é o maior jogador "apenas" do Barça em todos os tempos. Quebrou todos os recordes, conquistou todos os títulos possíveis mais de duas vezes e encantou o planeta com golaços e jogadas fenomenais.
Da mesma forma, porém, não existe discussão quando o assunto é seleção.
Messi é a grande esperança do país, o maior artilheiro da história da Albiceleste, teve campanhas de destaque, jogos históricos, mas não tem como comparar com Maradona. Diego conquistou uma Copa do Mundo tendo enorme destaque e as melhores atuações individuais de todos os tempos, acima até mesmo de Garrincha em 1962.
Ele não ganhou sozinho, como dizem, mas brilhou intensamente em momentos decisivos e no jogo que envolvia muito mais que futebol, contra a Inglaterra, por toda a questão das Malvinas.
O Gol do Século e a Mão de Deus. Maradona fez "apenas" isso no jogo mais importante para os argentinos. O gol mais bonito da história das Copas e um tento histórico que fez muitos hermanos se sentirem vingados.
Além de um ter conquistado uma Copa como conquistou e o outro não ter títulos pela seleção principal, também pesa como ambos são. Maradona representa os argentinos. Nasceu em uma favela, conviveu com a miséria, tem seus problemas, cometeu seus erros, superou seus demônios e os venceu. Ele também se posiciona quando perguntado sobre temas polêmicos, às vezes até sem ser questionado.
Por tudo isso, para muitos hermanos, Maradona é um Deus, uma entidade divina, acima do bem e do mal. Um representante do povo argentino, capaz de magias e loucuras, parecer divino e humano.
Messi, por outro lado, é mais introspectivo e não tem o carisma de Maradona. Superou problemas diferentes e cresceu na Europa, tendo sua formação em outra cultura e outro país. Ele se fez homem longe da Argentina.
No entanto, os próprios argentinos acham a comparação injusta. A Goal Brasil conversou com Daniel Gabin, jornalista da Goal Argentina, que deu sua opinião sobre o assunto polêmico.
"É uma pergunta muito difícil. Tecnicamente, Messi é superior e é provável que a única coisa que lhe falte para superar Maradona seja ganhar um Mundial. Mas, por agora, fico com Maradona. É difícil, porém, comparar os dois, porque brilharam em épocas diferentes", diz Gabin.
"Maradona foi campeão em um Napoli que não tinha as figuras ou os craques com quem Leo jogou durante toda a carreira. Maradona sempre teve a vocação de um líder, enquanto Messi, nos últimos anos, começou a assumir de forma tímida essa função. Além disso, Maradona saiu de uma favela, enquanto Messi é de uma família de classe média", completa.
"Maradona personificou um salvador e um herói, que também foi parte de escândalos. Ele representa a Argentina. Por outro lado, Leo viveu quase toda a sua vida tranquilo, longe da Argentina, em Barcelona", conclui.
Sergio Maffei, jornalista do Olé, um dos maiores periódicos da Argentina, por sua vez, vai por outro caminho. "Escolher entre Maradona e Messi é como te perguntarem se você ama mais seu pai ou sua mãe. Ambos são os melhores da história e foram embaixadores da Argentina por todo o mundo, levando a celeste e branca até os menores lugares do planeta", afirma.
"A diferença e a inclinação por Diego tem a ver com o Mundial de 86 e também porque Diego, pela sua personalidade, carisma e picardia, representou o povo com suas virtudes, seus defeitos, sua magia, sua enfermidade, suas loucuras, suas idas e voltas. Foi um super-herói humano. Por isso, Maradona sempre será Maradona, ainda que Leo, um dia, ganhe a Copa do Mundo que o futebol lhe deve", opina.
A questão é que, apesar de todos os levantamentos, é impossível apontar, com 100% de certeza, qual o lugar de Lionel Messi na história. Injustiças sempre serão cometidas ao se tentar criar um ranking dos melhores de todos os tempos, especialmente pelos feitos, épocas e carreiras de cada um serem distintas.
Maffei, porém, é muito feliz ao dizer que o futebol deve uma Copa do Mundo para Messi. Um dos melhores da história merece ganhar um Mundial, realizar o seu sonho e o de 43 milhões de pessoas, conquistar o que lhe falta, encerrar um longo jejum, não conviver com esse questionamento e, para algumas pessoas, alcançar um novo patamar. Como disse Gabin, quem sabe, superar Maradona.
No entanto, e se ele não ganhar? Qual o problema? Isso não importa. Azar da Copa do Mundo. Puskás, Cruyff, Di Stéfano, Platini, Baggio, Zico, Eusébio e tantos outros gênios não conquistaram o Mundial, e isso não faz nenhum deles menor, nem o tamanho deles para a história.
Não é necessário discutir isso e colocar um jogador acima do outro. Não é preciso rotular tudo. Devemos apenas admirar e agradecer a sorte que temos de poder acompanhar toda a carreira de um dos maiores futebolistas de todos os tempos, um gênio absolutamente inesquecível.
E, de qualquer forma, Messi deve ter mais duas oportunidades de enfim conquistar um título com seu país e não conviver com essa injustiça e esse questionamento que não merece. Será que Leo vai conseguir, mais uma vez, vencer o que parece ser impossível?