O líder do Campeonato Brasileiro é um “flanelinha”, guardando uma vaga que não vai ocupar. O vice de momento pode levar a taça, mas espera por um técnico que reformule tudo que o velho atual está fazendo. O terceiro colocado está por ali, mas sem o amor de antes e enrolado demais em disputas políticas. O quarto buscou o “melhor técnico do Brasil”, já está achando que ele não é de nada, e começa a olhar com inveja o comandante do clube da quinta colocação, cuja torcida parece um pouco de saco cheio da longa relação. O sexto é, para muitos, o grande favorito – até que perca, é claro.
A tradicional ciranda da prancheta tem algo de especial em 2020 (/21). O campeonato que “ninguém quer ganhar” criou uma anomalia num futebol já naturalmente inclinado a instabilidades. Não basta ter resultados, porque nem quem está na frente é poupado da pressão e da degola iminente. Os resultados do último fim de semana deixam Fernando Diniz e Rogério Ceni na alça de mira, Renato Portaluppi desagradou torcida e crítica ao “não aproveitar” a rodada de tropeços e Abel Braga é o Jupp Heynckes de baixo orçamento esquentando a cadeira do Guardiola da vez. Jorge Sampaoli e seu Atlético-MG jogam nesta segunda, após a conclusão do texto, então há tempo para mais crise, aguardemos.
Os argumentos que rodeiam essa discussão são velhos, não vale a pena perder muito tempo com eles. Os times preferem trocar antes a insistir e perder com treinadores que não parecem capazes de transpor as limitações e instabilidades de seus times. Dá pra passar um verniz e contrapor “conceitos” e “estilos de jogo” apontando “falta de padrão” e “pouco repertório”. Pouco importa que nenhum rival seja exatamente brilhante e que às vezes a solução para um seja o problema para outro.
Muito menos que o Brasileirão da pandemia seja disputado em um calendário apertado, com elencos afetados pela Covid e sob constante mutação. O Flamengo, que sonhou em ser uma potência mundial depois de 2019, está deixando passar uma grande chance de se comparar a Real Madrid, Barcelona, Liverpool e Juventus, gigantes europeus que igualmente estão sofrendo com a temporada do Covid.
Às vezes as coisas são o que são, tentar mudar isso é um exercício vazio. Os dois últimos campeões brasileiros mostram que trocar na hora certa pode salvar a temporada, e a discussão mais profunda sobre estilos de fato fez o debate sobre futebol subir de nível nos últimos anos. Só que o contexto de 2020 (/21) misturou tantas narrativas e fórmulas que hoje, com os cinco primeiros colocados tão questionados, a disputa pode ser decidida por quem melhor reage ao ímpeto de romper com o que está aí.
Tite não é mais uma quase unanimidade nacional, como já foi, mas segue sendo difícil questionar seu status de treinador de ponta, provavelmente o melhor da década passada no país. No começo disso tudo, em 2011, seu primeiro Brasileiro no Corinthians veio a duras penas, suando para bater times ameaçados pelo rebaixamento (Ceará e Atlético-MG) na reta final. Até a conquista ser confirmada, em um 0 a 0 pouco empolgante contra o Palmeiras, ele estava ameaçado. “Empatite” e “titebilidade” eram expressões jocosas que tiravam do sério um técnico que não passava confiança de que remontaria o time após a era Ronaldo.
Tite apareceu no cenário nacional em 2001, com a Copa do Brasil pelo Grêmio. Dez anos depois, era como se a taça fosse algo distante no imaginário coletivo, mesmo após passagens interessantes por São Caetano, Corinthians e, principalmente, Inter. Adenor Bacchi não estava na primeira prateleira de técnicos do país quando Andrés Sanchez o resgatou dos Emirados Árabes, em 2010, em uma tentativa frustrada de ganhar o Brasileiro daquele ano.
Foi o título de 2011, mesmo sem grande brilho, que permitiu que ele desse saltos maiores nos anos seguintes. A consistência defensiva virou “DNA”, a maneira professoral de falar virou quase um dialeto adotado pela torcida e nem temporadas ruins, como 2013, tiraram dele um certo status de “salvador da pátria” – como ele veio a ser de fato em 2015.
O processo é parecido com o que Renato viveu em 2016, ao ganhar a Copa do Brasil e tirar o Grêmio de 15 anos de fila. Pode se dizer o mesmo da improvável Libertadores de 2013, que colocou Cuca em outro patamar e o permitiu pegar elencos melhores nos anos seguintes. Abel Braga e Muricy Ramalho, campeões da Libertadores e do Brasileiro de 2006, respectivamente, também viveram naquele ano conquistas que os permitiram mudar de nível.
O “salto” do grande título dá, de cara, alguma casca aos treinadores. Eles são “capazes” de ganhar, e por isso não estão tão sujeitos aos humores de dirigentes, torcida e jornalistas (muito ênfase aqui neste último ponto). Dá, também, a possibilidade de escolherem melhor os trabalhos, o que em geral aumenta a chance deles se sagrarem campeões.
O Brasileirão da pandemia foi tão longe na insatisfação que agora põe dirigentes, torcida e imprensa (ênfase enorme nessa última parte da tríade) numa enrascada. O momento da troca pontual, aquela que corrige os defeitos e dá tempo de um novo treinador embalar, provavelmente já passou. Exceção feita a Abel Ferreira, que nitidamente mudou o rumo do Palmeiras, quem decidiu ir por esse caminho não está 100% satisfeito (Inter e Flamengo). Quem quis manter (São Paulo, Atlético-MG e Grêmio), idem.
Todo o pelotão da frente está com raiva e frustrado com seu time, em maior ou menor medida, mas eles ainda são os líderes de um campeonato que está a nove ou oito rodadas do fim – é difícil fazer essa conta, perdão. Ao que tudo indica, vai ganhar o treinador que souber se ajustar e adaptar no meio de um trabalho mal avaliado. Será vencedor um técnico que, depois de ver seu time vacilar em jogos decisivos, encontrar soluções pontuais para problemas táticos, souber utilizar melhor o seu elenco e conseguir ser constante numa reta final cheia de confrontos diretos.
Com a taça na mão, dirigentes, torcida e jornalistas (ênfase aqui de novo) vão exaltar o Tite de 2011 que sobreviver campeão. Vão ressaltar os ajustes feitos, a paciência dos cartolas mesmo na crise e vão permitir que ele respire para talvez viver voos maiores na sequência. Para os cinco técnicos da ponta, um título representaria uma recolocação no imaginário coletivo e um acúmulo de “gordura”, como eles gostam de dizer, para futuras crises. Todos os outros ficarão no limbo, fracassados que são, sem sequer saberem se seguem para o próximo “ano” – a temporada vai começar em fevereiro, sabe lá Deus quando termina.
Isso, é claro, se o Palmeiras, único time razoavelmente feliz do país, não levar. Neste caso, esqueçam o Tite de 2011 e preparem-se para uma reedição de Jorge Jesus-2019, num grande salve-se quem puder para os outros técnicos envolvidos na disputa.