Jurgen Klopp virou treinador de futebol logo depois de ser substituído por Machado, um jogador um brasileiro. Não oficialmente, mas de maneira simbólica. Aconteceu em abril de 2000, quando o atual comandante do Liverpool ainda era um modesto futebolista do Mainz. Assim que deixou o gramado, ele foi direto na direção de Machado e lhe passou instruções diferentes das dadas pelo então técnico do time, Dirk Karkuth – antes de enfim demonstrar a revolta por ter saído nos minutos finais daquela partida. A cena é relatada na biografia de Klopp, escrita pelo jornalista Raphael Honigstein e traduzida aqui no Brasil pela Editora Grande Área.
Décadas depois, consagrado com os principais títulos que um técnico de clubes pode sonhar, e tendo colocado sua marca no jogo moderno, Klopp vê sua trinca de brasileiros servir, de certa forma, como um dos fios condutores dentro da narrativa de seu trabalho no Liverpool. O momento de Alisson, Fabinho e Roberto Firmino ajuda a entender como os Reds foram do ápice a certa desconfiança neste momento da temporada 2020-21. Desconfiança, vale lembrar, que em nenhum momento coloca em xeque a qualidade seja deles, do Liverpool ou de Klopp.
Coutinho e o encanto inconstante
Os primeiros brasucas de Klopp no Liverpool já estavam lá quando o treinador alemão chegou, no meio da temporada 2015-16. Lucas Leiva era símbolo de liderança, embora já em sua reta final pelo clube, simbolizando um time que vinha sofrendo por não conseguir resultados à altura de sua grandeza. Philippe Coutinho era uma das referências técnicas que mostravam aonde o time poderia chegar. Em suas duas temporadas e meia sob o comando de Klopp em Anfield, o meia-atacante simbolizou bastante um conjunto que por vezes encantava muito, mas falhava na “Hora H”. Os vice-campeonatos na Europa League e Copa da Liga, na campanha 2015-16, carimbam muito desta imagem.
Firmino, constância e criatividade
Roberto Firmino era outro brasileiro que já estava no clube quando Klopp chegou, mas havia acabado de pisar em Anfield. O atacante, contratado junto ao Hoffenheim, deu mais opções ofensivas àquele time que já começava a subir de rendimento, ainda que sem conseguir o prêmio ambicionado no final. Em uma equipe já sem Lucas, negociado em 2017, e após a venda de Coutinho para o Barcelona, após insistência do próprio jogador, em 2018, Firmino foi um dos principais nomes do time que foi vice-campeão da Champions League e da Premier League.
Alisson e Fabinho, segurança e leque de opções
O salto do Liverpool para reencontrar-se com os principais títulos aconteceu na temporada 2018-19, que também marcou as chegadas de Alisson para o gol, contratado junto à Roma, e de Fabinho, ex-Monaco, para o meio-campo. Contando obviamente com vários outros jogadores, a trinca brasuca foi parte importante nos títulos de Champions League, Mundial de Clubes e a tão sonhada Premier League conquistada pelos Reds.
Se o Liverpool não tinha antes segurança no gol, Alisson mostrou ser um dos melhores do mundo sob as traves – com atuações decisivas tanto na Premier League quanto na Champions, sendo um dos melhores em campo na final de 2019 vencida sobre o Tottenham.
Se o Liverpool precisasse de alguém para estimular a competição interna, ajudar o time ao ser improvisado na lateral-direita ou zaga em momentos de necessidade, e também aparecer para marcar, vez ou outra, gols decisivos, Fabinho mostrou ser uma excelente peça de equilíbrio no meio-campo.
E se o Liverpool precisasse de alguém que pudesse ser tanto um camisa 10 quanto um finalizador, lá estava Roberto Firmino. O atacante é, com ampla vantagem sobre os demais, quem tem mais partidas sob o comando de Klopp (269) e o que mais participou dando assistências (58). É também o terceiro maior artilheiro do clube desde a chegada do alemão, com 84 gols – menos apenas do que seus companheiros de ataque, Sadio Mané (91) e Mohamed Salah (116).
Momento ruim do Liverpool
A trinca brasileira participou com destaque em alguns dos melhores momentos da história do Liverpool, mas nem tudo é sempre bom. Hoje, eles também ajudam a explicar um momento que não é dos melhores.
Em meio à pandemia de Covid, em que um dos sintomas dentro de campo é a diminuição da intensidade e aumento do desgaste, o Liverpool desta temporada 2020-21 mostra-se irregular e sofreu mais derrotas nesta Premier League (5) do que nas últimas duas edições (4). Este simples dado mostra o quão espetacular o time de Klopp foi recentemente, e também ilustra que o momento ruim só é ruim mesmo porque o anterior estava fora da curva.
Roberto Firmino viu sua regularidade em alto nível cair nesta campanha atual, assim como o Liverpool. Ele ainda faz seus gols e dá suas assistências, assim como os Reds seguem na parte de cima da tabela (ainda que a dez pontos do líder Manchester City), mas tanto o atacante quanto a equipe não estão como antes.
E várias são as explicações para isso. A principal delas, o alto número de lesões dentro do elenco. O Liverpool, vale lembrar, vem jogando sem nenhum zagueiro de origem. Enquanto seus especialistas para a posição estão sem condições de atuarem, Klopp vai improvisando os meio-campistas Henderson e Fabinho na zaga.
O brasileiro é mais habituado a fazer este tipo, mas ao mesmo tempo em que deixa de ter nomes como Virgil van Dijk, melhor zagueiro dos últimos anos, o meio-campo acaba perdendo qualidade justamente sem Henderson e Fabinho. As transições, tão importantes para o jogo atual e especialmente nos times de Klopp, acabam perdendo força – e aí a bola nem sempre chega tão redonda para os atacantes.
Já o goleiro Alisson é símbolo de inúmeros bons momentos do Liverpool – inclusive ganhando até uma paródia, cantada pelo próprio Klopp, em que se diz que “tudo o que você precisa é de Alisson Becker. Mas nesta última semana esteve irreconhecível ao protagonizar falhas que dele não se esperavam na derrota por 4 a 1 contra o Manchester City. O arqueiro acabou por simbolizar toda uma crise de confiança que hoje recai sobre o gigante de Anfield, e nos mostra que isso pode acontecer com qualquer um – seja você gigante como atleta ou como clube.
Neste sábado (13), o Liverpool enfrenta o Leicester City. Jogo de grande importância, mas que traz ótimas lembranças para os Reds. Se o último encontro, pelo primeiro turno da atual temporada, terminou em vitória por 3 a 0 do time de Klopp, em dezembro de 2019 a goleada por 4 a 0 representou, provavelmente, uma das melhores exibições já feitas pelo clube desde a chegada do técnico alemão – inclusive com dois gols de Firmino.