Quantas vezes você ouviu o velho ditado "zagueiro bonitinho, loiro e de olhos verdes não serve"? Felipe já perdeu a conta. Escutou até do próprio pai.
Fugindo à regra desde os tempos de Corinthians, onde passou por um longo e significativo processo de evolução técnica e tática, o defensor, hoje com 29 anos, continua colhendo os frutos do sucesso, agora no conturbado futebol português.
Está em casa no Porto, o atual campeão nacional. Chegou no segundo semestre de 2016, rapidamente caiu nas graças da torcida e, para impor respeito perante os adversários e também afastar o rótulo de beleza, resolveu ser "um pouquinho mais agressivo". Uma agressividade que, por outro lado, lhe rendeu o apelido de "Vale-Tudo". Nada que não tenha tirado de letra. Na verdade, usou como combustível para obter ainda mais êxitos.
Terceira temporada no Porto, virou um dos capitães do time, conquistou dois títulos de expressão... Já sente que é um dos "donos da casa"?
Tive uma conexão forte com o Porto desde que cheguei. Já havia um tempo que o Porto não ganhava títulos, o que, pela história do clube, não é normal. Aceitei o desafio e, graças a Deus, posso dizer que hoje vivo o melhor momento da minha carreira. Me sinto em casa.
O que você trouxe para o Porto que antes talvez o clube ou o time em si não tivesse?
Olha, mudei um pouco a minha característica depois que deixei o Corinthians. Notei um pouco de desrespeito por parte dos adversários, até mesmo das equipes inferiores, com o Porto. Então resolvi mudar um pouco o meu jeito, fiquei um pouquinho mais agressivo [risos]. Essa minha nova marca foi muito interessante, e tenho me mantido assim. Essa minha agressividade, ser um pouco mais duro, agregou um pouco ao time.
Então o Porto também ficou mais agressivo...
Creio que toda equipe precisa ter alguém com essa firmeza. Não posso dizer que mudei todo o time, não é bem assim, mas trouxe esse pouquinho [de agressividade]. Fiz isso para ajudar, não para atrapalhar. Já estou na minha terceira temporada no clube, vejo que o meu perfil só acrescentou. Mas, repito, não posso dizer que toda a equipe mudou por causa de mim, até porque cada jogador tem o próprio talento, cada um agrega de uma forma diferente.
Qual o grande desafio do Porto para buscar o bicampeonato nacional?
Nós não tivemos uma mudança absurda. Perdemos o Marcano [zagueiro] e o Ricardo [Pereira, lateral-direito]. Hoje tem o Diogo Leite, que está suprindo muito bem a vaga na defesa, e o Maxi [Pereira], que já vinha jogando. A espinha dorsal do nosso time foi mantida, é por isso que já começamos ganhando um título, a Supertaça [sobre o Aves]. Fizemos também um grande jogo contra o Chaves [vitória por 5 a 0, na estreia da Liga], com o time se comportando muito bem. As perdas não atrapalharam em nada, e o Sérgio [Conceição, treinador] é inteligentíssimo, sabe muito bem montar a equipe e também notar o que é preciso. Não há nada muito grande que venha a causar preocupação. Precisamos seguir a mesma linha e saber que a equipe está muito bem estruturada.
Já ouvi de muitos jogadores que o Sérgio Conceição talvez seja um dos treinadores que menos deixa um jogador "sentar no comodismo". É verdade?
Exatamente. Isso é muito importante, aliás. O jogador de futebol, quando vive um bom momento, acaba criando esse comodismo. Um comodismo por jogar com frequência ou por ser sempre elogiado, o que acaba fazendo muito mal para vários jogadores. Ele tem mesmo essa rédea nas mãos, ele puxa mesmo. Isso, claro, sem fazer o jogador perder a confiança. Está sempre cobrando, reconhece que o jogador pode dar mais, mesmo que o jogador esteja vivendo o melhor momento. Ele foi jogador, então sabe como é. Procuro entender o lado dele, até porque às vezes pode parecer que está pegando muito no pé ou que é chato. Quando paramos para pensar, percebemos que isso é importantíssimo. Se um jogador faz uma atuação 90%, ele pede 110% no próximo jogo. A consciência dele quanto a isso é incrível, sabe o que faz.
Você em algum momento chegou a "sentar no comodismo" no Porto?
Sim, tenho... Mas tenho essa consciência, graças a Deus. Tenho uma mãe e um pai que sempre procuraram me dar a consciência de que viver somente com elogios não faz bem. Tento sempre procurar o que tenho feito de errado, procurar melhorar, ouvir as críticas construtivas... Isso me ajuda bastante. Só receber elogios, elogios, elogios e mais elogios, isso costuma atrapalhar. Felizmente, absorvo isso muito bem, principalmente porque procuro receber e entender bem as críticas. Não digo isso apenas como atleta, digo como pessoa também.
Como foi olhar para trás, seja num treino ou num jogo, e ver o Casillas no gol?
Quando aceitei a proposta do Porto, vários amigos e parentes tocaram neste assunto, todos sabem a referência que é o Casillas. Quando cheguei aqui... Pô, vi um cara normal. É um dos caras que mais se cobra no dia a dia, e sempre procurando ajudar os companheiros. É aquele tipo de jogador que nunca cai naquele comodismo que falamos antes. Fala sempre de ambição, sobre o próximo jogo, e fala disso tudo até mesmo nas folgas...
Ele chega a ser "chato" [entre aspas]?
Sim, podemos até usar até a expressão [risos]. Ele cobra bastante mesmo. Hoje, quando olho para trás e vejo o Casillas, vejo muita história, muita experiência, e fico tranquilo. Sei que, caso aconteça algo de errado, ele está ali para resolver. Mas não digo só por ele também, porque dependemos todos da equipe no geral. Bom... Nunca vou me acostumar com o Casillas [risos]. É mesmo uma referência.
Real Madrid, Juventus... Você esteve na mira de grandes clubes na temporada retrasada. Chegou a alimentar a possibilidade de ser negociado?
Tenho uma pessoa que trabalha para mim, então não procuro entrar muito nesses detalhes. Eu me conheço. Não que isso possa me atrapalhar, mas às vezes a gente fica pensando... Isso tudo pode acabar atrapalhando, sei lá. Procuro deixar esse tipo de assunto de lado. Mas chegam algumas informações que eu recebi tal proposta, etc. Mas, repito, sempre deixo com o meu representante. Se der certo, deu. O foco principal é o meu clube. O Porto quase foi campeão na temporada retrasada, fizemos uma temporada muito boa, então as propostas chegaram. Já agora, como campeão... As propostas vão chegar, é normal. Quero que as coisas aconteçam naturalmente.
Então chegaram mesmo propostas na temporada retrasada...
Sim, já chegou bastante coisa. Mas o foco total está aqui. As coisas precisam ser acertadas entre todos os lados. Claro, se tiver tudo certo, com a situação com o Porto resolvida, aí eu vou estar resolvido também. Quando um não quer, dois não brigam.
Não foi vendido porque o Porto não quis, certo?
Sim, sim... Estou aqui, feliz e cumprindo o meu contrato [até junho de 2021]. Esse é o foco.
Acredita que em Portugal a rivalidade entre clubes e torcedores já virou uma espécie de sentimento exagerado de ódio?
Quando cheguei aqui, percebi exatamente isso, fiquei um pouco impressionado. Aqui é um pouquinho mais "sangue", né? A rivalidade aqui vai muito mais além do futebol, a mensagem que é transmitida é um pouco mais agressiva. Mas isso sempre vai acabar acontecendo no futebol. Isso, no entanto, não é transmitido diretamente para mim, não vou entrar em campo disposto a matar um jogador. Tenho noção da minha agressividade, sei que existe a rivalidade, e vou sempre defender as cores do Porto. Quando vamos disputar um clássico, seja contra o Benfica ou o Sporting, dou o melhor de mim, trago a torcida para o meu lado...
Ter recebido o apelido de "Vale-Tudo" também entra nesta discussão de ódio e perseguição, não?
Olha, isso na verdade acabou sendo um alimento para mim. Foi um combustível [risos]. Alimentaram, alimentaram, e fomos campeões. Não tenho o que reclamar. Se puder, que continuem com o apelido, porque isso só vai dar alimento para mim.
Se considera um jogador maldoso?
Não. O futebol tem árbitro, né? Procuro ser agressivo, mas logicamente visando a bola. Uma hora ou outra, por causa de um adversário mais rápido, acabo acertando... Mas isso é do futebol. Se tiver que ser expulso, o árbitro vai me expulsar. Tenho uma expulsão injusta, ainda pelo Corinthians, e outra aqui, contra o Monaco, que foi uma coisa muito "de repente". Não tenho histórico de cartões vermelhos, e nem mesmo de muitos amarelos. A agressividade que tenho é sempre na bola, sempre de forma leal. Não quero machucar ninguém.
O futebol português nos últimos anos tem sido alvo de muitas acusações de corrupção, suspeitas... É impressionante a facilidade como colocam em xeque o caráter e a credibilidade dos jogadores. Isso também te incomoda?
Muito, até porque isso não prejudica apenas os jogadores que eventualmente fazem isso. Isso é muito chato. Se chega uma proposta deste tipo para mim, claramente vou denunciar na hora. Ninguém pode afetar a minha integridade. É claro que, se soubesse de alguém perto de mim que fizesse isso, um companheiro que seja, também denunciaria. Peço desculpa, mas sou um profissional e preciso fazer as coisas de forma correta. Recebo salário do clube, tenho a minha imagem, tenho uma história... Se alguém chegar e oferecer dinheiro para que eu entregue um jogo, isso já não é comigo. Sou uma pessoa mais correta nessa parte. Isso me incomoda bastante.
Acredita que é o melhor zagueiro em atividade no futebol português?
Procuro fazer o meu trabalho dentro de campo, então prefiro deixar esse tipo de análise para os torcedores, para quem é mais ligado e pode ver de um ângulo diferente. Sei que, desde que cheguei do Corinthians, vivo o meu melhor momento profissional, não tenho dúvida quanto a isso. Agora, sobre ser o melhor... Pode ser, talvez me encaixe um pouco nisso de ser o melhor zagueiro [risos]. Mas faço questão de evoluir e treinar forte sempre, até porque a gente nunca é completo. É preciso melhorar a cada dia, tudo isso para quem sabe futuramente ser o melhor zagueiro, e não digo apenas de Portugal, e sim de toda a Europa. Este é um dos meus objetivos principais.
Sente que merece uma nova oportunidade na Seleção Brasileira?
Sim, trabalho para isso todos os dias. Meu pensamento é focado no trabalho do dia a dia e nas conquistas dos meus objetivos. A Seleção é um dos meus principais objetivos. Somos todos avaliados, sei que observam quase todas as partidas dos jogadores que podem ser convocados... Vivo o meu melhor momento, então pode ser que sim [merecer uma chance na Seleção].
Existe um velho ditado no futebol que diz que geralmente zagueiro bonito não presta Você tem fugido à regra...
Já ouvi muitas vezes. Isso é um bom sinal, né? Quer dizer que sou bonito [risos]. Quando iniciei a minha carreira, o meu pai mesmo me cobrava muito sobre isso. Ele, aliás, foi a pessoa que nunca me deixou desistir do futebol. Quando estava para começar uma pré-temporada no União Mogi, ele queria que eu corresse todos os dias e fizesse academia, e ele falava exatamente isso para mim: "Você acha que só porque é bonitinho, tem cabelo loiro e olho verde é que vai chegar e jogar?". Aquilo me incomodou um pouco, porque sabia que era verdade. "Acordei" e comecei a treinar mais forte. Sempre tive que brigar pelo meu espaço, e felizmente tudo caminhou bem. Devo tudo ao meu pai. Hoje procuro tentar fugir um pouco disso [da beleza], também por causa da agressividade.
O seu "boom" na carreira ocorreu apenas depois de 2015, no Corinthians, quando já tinha entre 25 e 26 anos. Já parou para pensar que, se tivesse evoluído mais cedo, poderia estar num nível profissional ainda mais alto?
Hoje vejo o Diogo [Leite, zagueiro], de 19 anos, que já está no profissional do Porto. Brinco: "Poxa, 19 anos e já está no Porto. Se eu tivesse uma oportunidade como essa...". Sempre digo para que ele nunca baixe a cabeça, porque claramente será um ótimo jogador. Com 19 anos, eu ainda andava de skate e jogava basquete. Comecei a minha carreira com 21 anos, sem fazer uma base, então olho um pouquinho para trás e penso nisso: "Se tivesse uma base, se tivesse chegado ao Corinthians já com 21 anos ou menos...". Não que eu já não tenha dado, mas poderia ter dado um salto gigantesco na minha carreira. Mas tudo é no momento de Deus, isso já é traçado por ele, então não posso reclamar de nada.