O conflito de gerações está presente em todos os lugares, e no esporte não é diferente. Mas, como se fosse uma luz no fim do túnel, existem momentos em que estes dois lados se entendem e trocam mútua admiração: o futuro reverencia o passado, que por sua vez busca nas lições recebidas pelo maior tempo de estrada melhorar uma próxima leva.
Foi esse o clima geral, em dezembro, durante o curso de treinadores da CBF, na Granja Comary. Comandantes de clubes conhecidos no Brasil, e de alguns desconhecidos do exterior, se reuniram com um único objetivo: aprender, se aperfeiçoar e aplicar isso dentro de campo. Os exemplos práticos tinham como peças jovens do Sub-17 do Madureira, encantados por trabalharem sob o comando de Fábio Carille, Jair Ventura, Zé Ricardo e tantos outros.
Mas, finalizada uma das atividades – que contou com aula de Carlos Alberto Parreira – foi notável que um personagem se destacava para vários dos meninos que sonham com o estrelato calçando as chuteiras. Por alguns poucos minutos Rogério Ceni deixava de ser estudante e voltava ao papel de ídolo, uma realidade constante para alguém enfileirou títulos pelo São Paulo.
Fábio, meio-campista de 16 anos, era um dos mais animados. São-paulino de coração, veio morar no Rio de Janeiro por circunstâncias da vida e não acreditou quando viu o ídolo, e no meio da emoção ainda aproveitou para aprender uma lição valiosa do ex-goleiro: como bater faltas com perfeição.
“Ele botava o pé de apoio esquerdo pro lado da bola, dava quatro passos, nunca ficava reto e nunca muito de lado. Sempre na diagonal, concentrava e ia pra bola”, relatou o jovem, ao lado dos companheiros de time, para a 'Goal Brasil'.
Ciente de que a idolatria ainda é recente, já que pendurou chuteiras e luvas em 2015, o atual treinador do Fortaleza, que vai disputar a Série B em 2018, não entra em conversa engessada e reconhece que este fator pode lhe ajudar neste início de carreira na área técnica.
“Lógico que você influencia, porque ele [o jogador] tem a referência recente, a memória está recente. Mas o problema, hoje em dia, é a realidade financeira dos clubes. Há uma competição muito grande” explica Ceni, com exclusividade, durante um intervalo do seu curso Licença A.
“É um curso muito puxado. Praticamente nove, dez horas por dia de aula. Seja área de fisiologia, preparação física... o treinador pode não ter uma formação acadêmica, mas se faz necessário o conhecimento para que você possa trabalhar nessa área, até questionar o seu preparador físico. Cada dia é uma matéria diferente, é tudo um grande aprendizado. Assim como trabalhar com esses garotos”.
E apesar de ter entrado na história como um dos melhores batedores de faltas em todos os tempos, inclusive somando número recorde de gols para um goleiro [131 tentos, sendo 129 em jogos oficiais e 61 em tiros livres de fora da área], Ceni joga o saudosismo para longe e demonstra sobriedade tão grande quanto humilde para garantir, olhando para o jovem que em meio a tantos outros o tietavam, que graças à evolução natural do esporte, a tendência é ver a sua arte ser superada nos anos que estão por vir.
“Um dos meninos falou que era torcedor do São Paulo, perguntou como batia falta. Uma coisa muito particular, natural. Mostrei o posicionamento que eu tomava. Mas eu tenho certeza que ele vai evoluir muito mais do que eu, porque o tempo é assim. Com o passar do tempo, a tendência é que você evolua, aprenda novas técnicas... assim como você aprende novos treinamentos a cada dia, vai desenvolvendo novas valências de treinamentos para aplicar nos clubes em que você trabalha”.
Após encerrar a frase, Ceni gravou um recado para a família de Fábio, realizado como fã e aprendiz, antes de sair andando tranquilo, enquanto o intervalo das aulas permitia. Tão ídolo como sempre. Mais treinador do que havia sido no dia anterior.